Medicina e militância: o risco da politização nas universidades públicas
A criação do curso de Medicina do Pronera na Universidade Federal de Pernambuco pode até ter boas intenções. Mas boas intenções não bastam.....
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A decisão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) de abrir um curso de Medicina voltado a integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e beneficiários da reforma agrária reacende um debate essencial sobre os limites entre inclusão social e politização do ensino público. O curso, aprovado pela Justiça e previsto para começar em dezembro, no campus do Agreste, em Caruaru, reservará metade das 80 vagas a assentados, quilombolas e educadores ligados ao Incra. A outra metade será de ampla concorrência. À primeira vista, a proposta parece nobre: levar formação médica a populações historicamente marginalizadas. No entanto, a iniciativa desperta preocupações legítimas sobre o uso político das universidades federais e o risco de ferir o princípio da igualdade de acesso. O Brasil já possui leis consolidadas de cotas que garantem oportunidades a estudantes de escolas públicas e a grupos raciais historicamente excluídos. Esses mecanismos se baseiam em critérios objetivos de vulnerabilidade social e educacional — e não em filiação a movimentos ou programas governamentais. Ao reservar vagas com base em vínculos a determinados grupos sociais e políticos, o Estado abre precedente para a seletividade ideológica dentro de instituições que deveriam ser neutras e universais. A formação médica, em especial, deve priorizar critérios técnicos e acadêmicos. O país precisa de bons médicos — sejam eles filhos de agricultores, moradores de periferias ou jovens das grandes cidades —, mas todos devem competir sob parâmetros claros e justos. A ideia de que o acesso à Medicina possa ser condicionado à militância ou à vinculação a determinado movimento é perigosa e fere o espírito republicano da universidade pública. A verdadeira inclusão não nasce de privilégios seletivos, mas de educação básica de qualidade e oportunidades iguais desde o início da trajetória escolar. Promover justiça social não é favorecer grupos politicamente organizados; é garantir que todos os brasileiros, independentemente de origem ou ideologia, tenham chances reais de construir seu futuro. A universidade é, por natureza, um espaço de liberdade e pluralidade. Quando o poder público transforma salas de aula em trincheiras ideológicas, perde-se o foco do que realmente importa: formar cidadãos críticos, competentes e comprometidos com o bem comum. A criação do curso de Medicina do Pronera pode até ter boas intenções. Mas boas intenções não bastam — especialmente quando colocam em risco os pilares da educação pública e o princípio da igualdade que deve nortear o acesso às universidades.
Antonio José Gonçalves, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM)