Edgar Morin, Josué, consciência ecológica e COP 30
O caminho adiante pede mais que ciência e estratégia — pede poesia, ética e pertencimento. Pede que nos reconheçamos como filhos da mesma casa.
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Há pensadores que enxergam o mundo como quem observa uma tapeçaria viva, onde o destino humano se entrelaça com a seiva das árvores, a respiração dos oceanos e o silêncio das estrelas. Entre eles, Edgar Morin se ergue como aquele que recorda à humanidade que nada existe só: seres, sociedades e natureza formam um só corpo, movido por uma mesma chama. Para ele, não se compreende o planeta dividindo-o; compreende-se acolhendo sua complexidade, unindo ciência e sensibilidade, cultura e ética, razão e mistério.
Em sua visão, a consciência ecológica não é apenas atenção às florestas e ao clima, mas o despertar para a interdependência entre nossos medos, nossos sonhos e as raízes que nos sustentam. Toda ação, lembra Morin, carrega sementes imprevisíveis. A "ecologia da ação" nos chama a agir com coragem, mas também com humildade, pois cada gesto ecoa em territórios que nossos olhos não alcançam. Preservar a Terra é, assim, também preservar a alma humana: rever o consumo, celebrar a diversidade, reconhecer que habitamos uma "pátria terrestre" — e que somos tão frágeis quanto as águas que bebemos e os pássaros que atravessam nossos céus.
Nesse horizonte, saúde deixa de ser apenas ausência de dor. Torna-se harmonia entre corpo, espírito, comunidade e planeta. A destruição de rios, o aquecimento da atmosfera, a fome que visita lares e a desigualdade que fere dignidades são feridas de um mesmo organismo. Quando a floresta adoece, nosso sangue muda. Quando o solo é violado, nossa mesa empobrece. Saúde pública e saúde ecológica se entrelaçam como pulsos do mesmo coração.
É nesse chamado que desponta, no coração pulsante da Amazônia, a COP 30. Não apenas uma conferência, mas uma assembleia planetária diante da mãe-floresta, testemunha milenar daquilo que somos e poderíamos ser. Ali, líderes, povos originários, cientistas e guardiões da Terra se reunirão, lembrando-nos de que o tempo da promessa já passou; é chegada a hora da ação. A Amazônia, com sua biodiversidade vasta e sua força silenciosa, torna-se altar e espelho: o mundo só florescerá se aprender a ouvir a Terra.
Essa travessia encontra eco na sabedoria de Josué de Castro, que antes de muitos revelou que a fome não nasce do destino, mas da injustiça; que o desamparo humano e a degradação ambiental caminham lado a lado. Sua geografia ecológica antecipou o que hoje chamamos de visão sistêmica: sociedade e natureza são uma só pele. Onde há devastação, brota miséria; onde há justiça territorial e soberania alimentar, brota vida. Ele nos ensinou que restaurar a Terra é, também, alimentar os corpos e dignificar as pessoas.
Unindo Morin e Josué de Castro, compreendemos que o futuro não se erguerá apenas sobre tecnologias e planos, mas sobre uma profunda transformação do espírito humano. O que está em jogo não é só o clima: é a qualidade da nossa presença no mundo. Somos convidados a lembrar que a Terra não é chão que se pisa, mas ventre que nos carrega. Que o amanhã se escreve hoje, com escolhas que exigem coragem, ternura e responsabilidade.
O caminho adiante pede mais que ciência e estratégia — pede poesia, ética e pertencimento. Pede que nos reconheçamos como filhos da mesma casa, guardiões de uma herança comum. Quando compreendermos isso, a agenda climática deixará de ser apenas diplomacia e se tornará compromisso com a essência humana. E talvez, então, caminhemos como jardineiros do porvir, cuidando da Terra como quem cuida de um coração amado.
Raul Manhães de Castro, membro da Academia Pernambucana de Ciências. Médico e Professor Emérito da UFPE.