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A importância de cultivar a curiosidade

Talvez o maior gesto educativo que um adulto possa fazer seja fazer uma pausa antes de dar a resposta e simplesmente perguntar: "O que você acha?"

Por EDUARDO CARVALHO Publicado em 22/11/2025 às 0:00 | Atualizado em 22/11/2025 às 6:36

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A curiosidade é uma das forças mais transformadoras da natureza humana. Um impulso inato que desperta a imaginação, expande horizontes e alimenta o desejo de compreender o mundo. Desde os primeiros anos de vida, é ela que move o bebê a explorar, tocar, testar e aprender. No entanto, à medida que crescemos, a curiosidade tende a ser silenciada pela rigidez dos sistemas escolares e pelas pressões sociais que privilegiam respostas prontas em vez de perguntas profundas. Recuperar e cultivar esse impulso é essencial não apenas para o aprendizado, mas também para a criatividade, a inovação e o empreendedorismo.

Pesquisas da professora Elizabeth Bonawitz, de Harvard, mostram que a curiosidade é um verdadeiro "mise en place" da mente, uma preparação intelectual que ativa a atenção, a memória e a motivação, abrindo caminho para um aprendizado mais profundo. Quando estimulada, desperta nos estudantes o desejo de resolver incertezas e de compreender as relações entre causa e efeito. Esse tipo de curiosidade epistêmica, o impulso de perguntar por quê e como, é a base da descoberta científica, da invenção tecnológica e da criação artística. É ela que conecta o aprender com o prazer de explorar o desconhecido.

Estudos demonstram que crianças mais curiosas apresentam melhor desempenho escolar, especialmente em comunidades menos favorecidas. "A curiosidade é o grande igualador da educação", afirma Bonawitz. Em experimentos conduzidos com pré-escolares, crianças incentivadas a fazer perguntas aprenderam mais e demonstraram maior motivação intrínseca do que aquelas apenas instruídas a ouvir. Curiosidade, portanto, não é apenas um estado emocional; é um mecanismo cognitivo que potencializa a aprendizagem e reduz desigualdades.

A curiosidade também é um insumo da criatividade. Toda grande ideia nasce de uma inquietação: um "por que não?", um "e se...?". As invenções e descobertas que mudaram o curso da história, do fogo à internet, foram frutos de mentes que se recusaram a aceitar o óbvio. O professor Todd Kashdan, da George Mason University, sintetiza essa dinâmica em uma fórmula simples: "Sendo curioso, exploramos; ao explorar, descobrimos; satisfeitos, repetimos; e, repetindo, desenvolvemos competências, habilidades e maestria."

Na visão do professor Clayton Christensen, também de Harvard, múltiplos ambientes de aprendizagem ajudam crianças e jovens a "pensar fora da caixa", ampliando relacionamentos e aprendendo com diferentes contextos organizacionais. Já a professora Francesca Gino, da mesma universidade, e o cientista Bob Langer, do MIT, reforçam que a curiosidade é a semente da inovação, pois conduz à experimentação, ao erro criativo e à descoberta de novas possibilidades.

Entretanto, os ambientes familiares, escolares e corporativos muitas vezes sufocam essa energia vital. Quando o ensino se limita à memorização de fatos e dados ou quando o medo de errar é maior que o prazer de tentar, a curiosidade é reprimida, e com ela desaparecem o espírito empreendedor e a capacidade de inovar. O mesmo ocorre nas empresas excessivamente hierarquizadas, que inibem a troca de ideias e o questionamento das práticas estabelecidas.

Organizações inovadoras compreendem que curiosidade e empatia são habilidades essenciais. O curioso quer entender o problema; o empático quer compreender as pessoas envolvidas. Juntas, essas competências criam terreno fértil para soluções criativas. Por isso, empresas como Apple e Google valorizam candidatos que demonstram interesse genuíno pelo mundo, por novas experiências e por aprender continuamente. Steve Jobs, ao eliminar as paredes dos escritórios, estimulou a interação e o aprendizado cruzado, uma arquitetura da curiosidade. Do mesmo modo, os espaços de coworking e os ecossistemas colaborativos surgem como ambientes que favorecem o encontro de ideias e o nascimento de inovações.

Psicólogos contemporâneos identificam cinco dimensões da curiosidade humana: sensibilidade à privação (o desconforto de não saber), exploração alegre, curiosidade social, tolerância ao estresse e busca por emoções novas. Todas essas dimensões se refletem diretamente na criatividade e no comportamento empreendedor, pois envolvem a coragem de se expor ao novo, a resiliência diante da incerteza e a alegria de aprender.

Na educação, modelos baseados em aprendizagem por investigação (Inquiry-Based Learning) resgatam o papel da curiosidade como motor do conhecimento. O aluno é convidado a ser protagonista, a levantar hipóteses, fazer perguntas inteligentes, testar soluções e refletir sobre seus próprios processos mentais. Esse modelo não apenas forma pensadores críticos, mas também futuros inovadores, indivíduos preparados para enfrentar a complexidade e transformar ideias em impacto.

Em última instância, cultivar a curiosidade é preparar o terreno para a criatividade, a inovação e o empreendedorismo. É reconhecer que o progresso nasce da dúvida, não da certeza; da exploração, não da repetição. Em um mundo em constante mudança, o curioso é aquele que permanece aprendiz, humilde o bastante para perguntar e ousado o suficiente para criar.

Como lembra Elizabeth Bonawitz, talvez o maior gesto educativo que um adulto possa fazer seja fazer uma pausa antes de dar a resposta e simplesmente perguntar: "O que você acha?"

Eduardo Carvalho, Harvard University/IPERID Fellow,CIO da EmpowerC

 

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