Os 95 anos da OAB
A Advocacia é essa profissão tão incompreendida e em outras vezes tão duramente estigmatizada. Mesmo assim, um dos mais antigos ofícios da história
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Criada em 18 de novembro de 1930, a Ordem dos Advogados do Brasil, de cujo voluntariado participo pela sétima vez desde 2004, é sem sombra de dúvidas a mais significativa entidade da sociedade civil do País, e ao alcançar este mês 95 ciclos anuais de existência, merece mais do que os registros que vem tendo.
Para uma democracia tão sobressaltada quanto a nossa, ainda hoje desafiada, o fato de se avizinhar a OAB do centenário de nascimento, mantendo a relevância, sendo respeitada pela maioria da sociedade, não é um feito qualquer.
Diante de um Poder Público geneticamente propenso ao excesso e diante de uma corriqueira cultura de direitos que ficam somente no papel, a OAB é continuamente demandada a participar dos mais variados debates em assuntos inseridos na vastidão do inciso I do artigo 44 da sua Lei Federal nº 8.906/1994.
Infelizmente, ainda há quem pense que nem todo acusado deve ter defesa, que advogado de certos réus é tão "sujo" quanto eles e que a OAB é por demais intrusiva. Essas são, porém, minoritárias vozes que trabalham contra a entidade, ainda que algumas bem barulhentas, até em espaços de poder. Apesar, contudo,
do ladrar dos cães, a caravana da OAB por ela passa e tem seguido adiante.
A Advocacia é essa profissão tão incompreendida e em outras vezes tão duramente estigmatizada. Mesmo assim, não se pode perder de vista que é um dos mais antigos ofícios da história, com seus primórdios remontando ao terceiro milênio antes de Cristo, na Suméria, e sua consolidação em Roma com o "Collegium Togatorum" e as duas classes então instituídas de advogados: os "causidicus" e os "advocatus" (os primeiros patrocinavam em juízo defesas, os segundos atuavam como assessores).
Vista como deve ser vista, a Advocacia é função social e múnus público, mas é também sacerdócio, daí porque avessa à mercantilização e a ser alívio cômico para angariar clientela. A seu turno, a OAB é muito mais que um cartório expedidor de documentos de identificação e arquivista de atos societários.
Na linha temporal desde que se anunciou ao mundo, a OAB soube se firmar como sentinela de salvaguarda das liberdades individuais e trincheira de preservação dos rudimentos de uma civilização democrática desde a medula, a ocupar, em períodos de exceção (que, entre nós, brasileiros, não foram raros), o
papel de porta-voz denunciadora dos mais abjetos abusos cometidos contra os direitos humanos. Sem a OAB de Faoro, de Sobral, de Sussekind, de Fragoso e de tantos mais, é de exagero zero afirmar que a democracia brasileira, derrubada de rasteira em 1964, dificilmente se reergueria. Entre a cidadania e a Ordem há mais do que afinidade, há um matrimônio verdadeiramente indissolúvel.
Mesmo após haver sido vítima de atentado terrorista em meados da década de 80, nos últimos suspiros da ditadura, a OAB nunca se acovardou. Em 1986, com a democracia restaurada (ou era o que se presumia) transferiu sua sede do Rio para Brasília e participou dos trabalhos da constituinte que resultou na Carta de 1988.
Bem mais havia, como o tempo provou, a ser feito a cargo do protagonismo da OAB, e nisso sobreleva sua configuração tradicionalmente masculina e caucasiana, realidade transformada apenas em 2020 sob a forma de Resolução do seu Conselho Federal.
Já no fértil solo de Pernambuco, palco de fundação de um dos primeiros cursos de Direito do Brasil, em Olinda, a OAB encontrou em figuras como José Cavalcanti Neves, Nair Andrade, Hélio Mariano, e tantos outros, líderes audaciosos e progressistas, que tiveram a visão de semear o terreno para um futuro que permitisse, como ocorreu em 2024, a eleição da primeira mulher a ocupar o cargo máximo da governança da entidade, minha amiga Ingrid Zanella.
Cícero, filósofo grego, escreveu: "A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos". Ela é alinhavada ininterruptamente, daí ser uma obra em atualização diária. Que a OAB siga sendo farol de resistência, de inclusividade e representatividade, de acolhimento às divergências e uma ponte para tempos de maturidade, nos quais por fim compreendamos que o Sol nasce para todos.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado