Ponte giratória e seu momento atual
Causa-me certa indignação perceber uso político para desqualificar trabalho sério de engenharia de qualidade e a serviço do interesse público.
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Nem sempre a engenharia é respeitada como deveria, principalmente quando as decisões de gestores públicos são tomadas sem levar em consideração as recomendações técnicas pertinentes.
Considere-se como exemplo a Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira que ligava Tocantins ao Maranhão e que desabou no dia 22 de dezembro de 2024 matando 18 pessoas com apenas um sobrevivente. Entre 2019 e 2020, conforme noticiado, o órgão responsável tomou conhecimento do relatório técnico apontando "vibrações excessivas e um rebaixamento de 70 cm no vão central". As condições eram "sofríveis e precárias". Não houve interdição à época para realização de estudo e elaboração de projeto estrutural de recuperação. Terminou desabando, matando gente, e provocando enormes prejuízos econômicos. Outra ponte substituirá a anterior, mas para a vida das pessoas, não haverá substituição.
Outro caso importante foi o desabamento da Polcevera Bridge, Ligury, Italy ocorrido em 14 de agosto de 2018 onde 43 pessoas perderam a vida. A ponte havia sido restaurada parcialmente uma vez que o restante da estrutura não apresentava sinais de problema após criteriosa inspeção. Foram justamente os elementos estruturais não restaurados que colapsaram. Pesquisadores noruegueses do Departamento de Engenharia Estrutural da Norwegian University of Science and Technology (NTNU) e engenheiros do Norwegian Public Road Administration (NPRA), publicaram em 2023 na Structural Concrete o importante artigo científico Corrosion-induced damages and failures of posttensioned bridges: A literature review. A seguir transcreve-se algumas constatações:
Danos por corrosão em elementos estruturais pós-tensionados foram encontrados mesmo em situações em que não foram observadas indicações externas do problema, minando a confiabilidade das inspeções visuais;
A ocorrência de vazios dentro das bainhas nem sempre implica na presença de corrosão;
A única maneira de avaliar com segurança a presença e o grau de corrosão em fios ou cordoalhas no sistema de pós-tensão é através de inspeções invasivas, o que compromete a capacidade resistente da estrutura.
A Ponte Giratória do Recife apresentava patologias na face externa da laje inferior. Dentro das células, ela estava íntegra e não indicava maiores problemas. No entanto, quando da execução de nova camada inferior da laje, no último vão na margem voltada para o Cais de Santa Rita, houve desplacamento do concreto em uma das vigas principais -longarinas- expondo armadura frouxa e cabos de protensão rompidos. Diante disso, acendeu-se a luz vermelha e foi solicitada sua interdição ao tráfego de veículos e pedestres para que os estudos pudessem ser feitos sem pôr em risco a vida dos transeuntes que nela passavam diariamente. Com os estudos aprofundados, seria possível tecnicamente recomendar a demolição ou a recuperação estrutural.
A Prefeitura do Recife optando por não propor soluções paliativas que pudessem levar ao desabamento da ponte, o que provocaria uma tragédia de grandes proporções com prováveis mortes, resolveu assumir o ônus da interdição para proteger a população. Restava, então correr com os estudos e entender o problema para encontrar a solução.
Um médico procede ao exame clínico do paciente complementando com outros tipos de exames para fechar o diagnóstico e prescrever o tratamento correto a ser adotado. O exemplo serve para ilustrar o que ocorre com a recuperação estrutural. No caso da Giratória, foi necessária a realização de inspeções invasivas com coleta de material para realização de ensaios dos materiais aço e concreto. Este último apresentou excelente resistência mecânica à compressão e mantinha as armaduras sem oxidação. A ponte poderia ser recuperada. Mas, ela precisava ser reforçada porque as cargas atuais a considerar são maiores que às da época do projeto inicial conforme as Normas aplicáveis, bem como às atuais exigências quanto ao atendimento dos estados limites de serviço (ELS) e último (ELU) de verificação. Com o projeto executivo pronto, foi então providenciada nova licitação para que a obra fosse executada.
O momento atual é de conclusão dos serviços para entrega da Ponte Giratória recuperada, reforçada e com renovação de sua vida útil.
Como engenheiro, causa-me certa indignação perceber uso político para desqualificar trabalho sério que buscou sempre entregar engenharia de qualidade e a serviço do interesse público.
Carlos Fernando de Araújo Calado, professor doutor em Engenharia Civil
CREA Nacional 180.627.008-0