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Respirar Recife: cultura, território e pertencimento

Quando falamos em regeneração, falamos da vida que se recompõe pelos vínculos entre pessoas, tempos e lugares......................

Por MILU MEGALE Publicado em 15/11/2025 às 0:00 | Atualizado em 15/11/2025 às 12:20

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No Recife, essa costura tem nome: cultura. Não como algo restrito ao centro ou ao palco, mas como um modo de existir nos bairros, nas margens, nas águas e nas calçadas. É nas práticas do dia a dia, do maracatu ao hip hop, do coco ao brega, dos terreiros aos coletivos de bairro, que a cidade reencontra fôlego e sentido. Aí a cultura cura, acolhe, rearranja e reconecta pertencimentos. Um dos documentos norteadores da política cultural do Recife, o Plano Municipal de Cultura, parte de uma convicção simples e potente: cultura é gente.

E gente é complexa, cria símbolos, reivindica direitos, gera trabalho e renda. Essa visão integrada, simbólica, cidadã e econômica, tira a cultura do lugar de "evento" e a coloca como ecossistema vivo que sustenta projetos de vida, memória e futuro. Vira estrutura de convivência, base de cidadania e motor econômico, especialmente nas periferias, nas franjas e nas encruzilhadas. Se cultura é ecossistema, o território é sua biologia.

Regenerar não se faz de cima para baixo, mas do território para o sistema, mapeando centralidades culturais que já existem, criando condições para que cada região tenha espaços de fomento e fruição, descentralizando festas e circuitos, valorizando práticas e saberes que mantêm a vida girando. O papel do poder público não é levar pacotes prontos, e sim adubar o que já cresce, remover obstáculos, garantir acessos e permanências.

Cultura também é economia, e move renda quando distribui oportunidades. Quanto mais a cadeia produtiva nasce e circula nos bairros mais o dinheiro gira perto de quem cria. Os números são sugestivos: apenas entre 2021 e 2025, a Prefeitura do Recife injetou mais de R$ 40 milhões na cultura por meio do Sistema de Incentivo à Cultura, além dos ciclos festivos, Carnaval, São João e Natal, dos editais da PNAB, entre outros. São impulsos que dinamizam trabalhos enraizados nos territórios e projetam futuros. É preciso olhar adiante.

Encontros entre turismo mais descentralizado, estudos consistentes de economia criativa e fomento às linguagens populares e periféricas formam uma agenda de desenvolvimento que gera impacto econômico e pertencimento. Nada disso se sustenta sem base institucional e previsibilidade. Regenerar exige cuidar do chão: orçamento estável, sistema municipal consolidado, regras simples e acessíveis, ações afirmativas, acessibilidade, menos burocracia e mais escuta.

A gestão da cultura deve ser prática de cuidado, com o poder público como coautor dos territórios, não seu tutor. E é por isso que lutamos diariamente, é o nosso compromisso. Formar é regenerar capacidades. Programas e polos de formação cultural em todas as regiões, em parceria com escolas, universidades e espaços independentes, abrem caminho para que crianças, jovens e trabalhadores da cultura aprendam, produzam, circulem e vivam do que fazem. Isso cria ciclos longos, rompe a lógica do projeto passageiro e estabiliza o ecossistema criativo de cada território.

No fim, estamos falando de uma ética do encontro, o direito à diferença, à convivência respeitosa e à mediação de conflitos como força transformadora. Não se trata de fazer mais eventos, mas de fazer redes durarem. Quando um pátio volta a ser ponto de encontro, quando um terreiro é reconhecido como centralidade, quando um coletivo licencia seu evento, quando uma mestra ensina e é remunerada com dignidade, a cidade se regenera. Cultura como ferramenta de regeneração é o direito de cada território produzir futuro com o que tem de mais valioso, suas pessoas, seus saberes e suas linguagens. Quando os territórios florescem, a cidade inteira respira melhor.

Milu Megale, secretária de Cultura do Recife

 

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