A cautelar de suspensão preventiva na legislação advocatícia: essa (ainda) ilustre desconhecida
Fazer a coisa certa sem olhar a quem e agir com honestidade é onde reside a receita do sucesso...com consciência tranquila e honrando o juramento.
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Merecedora de um único parágrafo (o terceiro) do artigo 70 do Estatuto da OAB, lei ordinária de alcance federal, a denominada medida cautelar de suspensão preventiva pertence à categoria das tutelas provisórias de urgência e é de responsabilidade dos Tribunais de Ética e Disciplina das Seccionais, daí porque não pode ser uma "ilustre desconhecida" para a classe.
Para começo de conversa, não é penalidade, nem antecipa castigo. Nem é algo que, apressadamente, se possa situar ao arrepio do devido processo legal. Trata-se, sim, de mecanismo institucional de prevenção colocado à disposição da OAB no que toca à sua respeitabilidade, por ser a advocacia, como é, atividade essencial à justiça e por ser a justiça gênero de primeira necessidade.
Quando um Tribunal de Ética e Disciplina suspende preventivamente o advogado, portanto, não o está a condenar pelo cometimento de infração disciplinar (ou mais de uma). Nem está a ferir a presunção de inocência (garantia fundamental), e, com isso, não está a incorrer em inconstitucionalidade. Está, em cognição sumária, a dizer que aquele cenário fere a dignidade profissional e repercute negativamente junto à sociedade.
E isso com base na regra de que a OAB é soberana e autônoma para a fiscalização do comportamento ético dos seus filiados, pelo que pode sim vir a extrair de falas ou atitudes dos mesmos, seja agindo de ofício ou por provocação, indícios (ou seja, vestígios) de contexto que ocasione repercussão prejudicial à dignidade (sacerdotal, na definição de Ruy Barbosa) da advocacia, comprometendo, assim, a confiança que nela historicamente depositam os povos. Repercussão, aliás, que não necessariamente deve ser jornalística.
Falar em indício (isto é, em aparência) não é falar em prova (ou seja, em certeza) para o processo administrativo disciplinar, a exemplo do PAD previsto para a OAB. A atividade probatória objetiva formar a convicção da entidade decidente acerca da existência ou não de uma situação de fato. Já a prova indiciária (ou indireta) permite, com o auxílio das regras da experiência, traçar uma presunção, quer dizer, construir a probabilidade séria, concreta, de que algo potencialmente punível se materializou. Para aplicar a suspensão preventiva a um advogado, é indispensável prova indiciária, não a certeza cabal da culpa jurídica.
A lógica subjacente que anima a figura da suspensão preventiva, do mesmo modo como se opera com as tutelas provisórias de urgência, é a de proteger o resultado útil do processo disciplinar, trazendo a quem procura a OAB em busca de amparo, de modo mais imediato, e ao conjunto da sociedade, de maneira mais ampla, uma resposta eficaz e urgente, já que o enfrentamento àquilo que simboliza a conduta não pode esperar o final de uma averiguação que usualmente é mais demorada, ou perderá o sentido qualquer reação da entidade.
Quando, encontrando-se ou não no exercício da advocacia ou em razão dela, o inscrito na OAB pratica ilícito hediondo, mesmo ainda não tendo sido por ele sentenciado; ou quando se utiliza das redes sociais para disseminar discurso de ódio; ou quando reiteradamente faz publicidade apelativa e enganosa, ludibriando outros; ou quando deliberadamente desafia a autoridade regulatória da OAB; nessas e em outras situações, pode-se vir a cogitar da cautelar de suspensão preventiva, acima de tudo como expressão do esforço legítimo da entidade para que a população não desacredite, nem passe a desconfiar, da advocacia enquanto seu esteio comunitário e porto seguro.
Ao fim e ao cabo, não é complicado de entender. Fazer a coisa certa sem olhar a quem e agir com honestidade, eis no que reside a receita do sucesso e o que permite que todas as noites o advogado deite a cabeça no travesseiro com a consciência tranquila, honrando o juramento que prestou quando do ingresso na OAB. Lembremo-nos da lição de Mahatma Ghandi: "O que destrói a humanidade? Política sem princípios. Prazer sem compromisso. Riqueza sem trabalho. Sabedoria sem caráter. Negócios sem moral. Ciência sem humanidade. Oração sem caridade". Eis aí, em derradeiro resumo, o cerne do debate.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado