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Mozart Neves Ramos e Gabriela Camarotti: Entre provas e emoções, como a escola pode ajudar nossos adolescentes?

Professores relatam surtos em sala de aula, famílias vivem a angústia de filhos esgotados, usando medicações para fins emocionais cada vez mais cedo

Por Mozart Neves Ramos e Gabriela Camarotti Publicado em 10/11/2025 às 6:05

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O que está acontecendo com os nossos adolescentes? Não precisamos mais buscar informação em veículos especializados em saúde porque diariamente escutamos e lemos sobre os índices de ansiedade, depressão e crises emocionais que crescem a cada ano. Professores relatam surtos em sala de aula, famílias vivem a angústia de filhos esgotados, usando medicações para fins emocionais cada vez mais cedo. A cena se repete em escolas públicas e privadas: jovens pressionados, sem tempo, sem convívio e sem saúde. Sabemos que esse adoecimento não pode ser atribuído apenas à escola, há múltiplos fatores sociais, familiares e culturais envolvidos, mas é inegável que o modo como o ambiente escolar tem se estruturado e as pressões que reproduz sobre os estudantes ocupam uma parcela significativa nesse cenário.

O ensino fundamental 2, muitas vezes, já reproduz a lógica do conteúdo enciclopédico, das aulas expositivas longas, da cobrança por desempenho. As licenciaturas, em sua maioria, ainda não preparam professores para ensinar, mas para transmitir os conteúdos. Falta nelas a dimensão prática, didática e socioemocional da educação básica. Nessa fase, em que os adolescentes deveriam estar aprendendo a discutir, a argumentar, a trabalhar em grupo e a lidar com os próprios erros, o que muitas vezes se oferece é apenas a repetição de exercícios, aulas passivas e a exigência de notas. O resultado é uma geração que aprende a decorar, mas não a pensar; que sabe responder, mas não sabe perguntar.

E se olharmos ainda antes, para o fundamental 1, em muitas escolas já encontramos o ponto de virada, já vemos exigências, rankings, valorização do desempenho nas séries iniciais. A infância, que deveria ser território de criatividade, brincadeira, convívio social e descobertas, vai sendo, aos poucos, ocupada por provas, simulados e pressões que roubam a leveza e a curiosidade natural das crianças. Aquilo que se aprende na infância - conviver, imaginar, criar, partilhar - não é acessório, é a base sobre a qual se sustentam todas as outras etapas da vida escolar e da vida adulta.

Não adianta querer “consertar” apenas no vestibular ou na universidade. Se chegamos a adolescentes adoecidos, é porque o processo de adoecimento começou cedo, quando a escola deixou de ser espaço de experiência para se tornar apenas espaço de desempenho. Esse é um alerta não só para gestores e professores, mas também para as famílias; a parceria entre escola e lar é decisiva para sustentar vínculos, regular expectativas e devolver às crianças o direito de viver cada etapa de sua formação sem antecipações nocivas.

A urgência, portanto, não é apenas reinventar o ensino médio. É redesenhar toda a trajetória escolar com coragem, é devolver à infância o direito de brincar e criar; ao fundamental 1 e 2, o direito de argumentar, participar, errar e recomeçar; e ao ensino médio, a chance de formar jovens que saibam, sim, matemática e redação, mas que também saibam cuidar de si e dos outros, liderar com empatia e enfrentar o mundo com coragem.

A educação socioemocional não pode ser entendida como complemento da aprendizagem, mas como parte central dela. É nesse sentido que a escola pode deixar de ser apenas uma fábrica de provas e voltar a ser o lugar onde se aprende a viver. O futuro não pode ser construído sobre gerações que já chegam à universidade quebradas por dentro. É agora, na escola, onde passam a maior parte do desenvolvimento emocional e acadêmico, que precisamos escolher entre formar apenas aprovados em exames ou entregar para a sociedade seres humanos inteiros.

Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE e Gabriela Camarotti é diretora pedagógica do Escola Vila Aprendiz

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