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Redes sociais e cultura pop: a linguagem de protesto da geração Z

Na Indonésia, no Japão, nos EUA ou no Peru, jovens fãs de One Piece e de outras obras de arte se reconhecem e se identificam na luta pela liberdade.

Por ALAN CAVALCANTI Publicado em 05/11/2025 às 0:00 | Atualizado em 05/11/2025 às 14:12

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Nos últimos anos, um padrão vem sendo observado nos protestos que acontecem mundo afora: a presença do Jolly Roger, bandeira ícone do anime One Piece, tem sido avistada diversas vezes durante manifestações políticas. Até onde vão os registros, a mania se popularizou primeiramente na Ásia, em países como a Indonésia e o Nepal, que passou por uma transição violenta de governo no último mês. Recentemente, registros da bandeira também foram feitos em protestos no Peru, em manifestações pró-Palestina na Europa e no protesto "NoKings" contra Donald Trump, que encheu as capitais dos Estados Unidos no último sábado (18). Segundo o Guinness World Records, One Piece é a obra com "o maior número de cópias publicadas para a mesma série de quadrinhos de um único autor", somando mais de 500 milhões de exemplares impressos. O sucesso é tão estrondoso que a Netflix produziu uma série live action do anime, que inclusive já tem data marcada para o lançamento de sua segunda temporada.

Obras de arte sempre tiveram papéis políticos importantes. O professor da USP e historiador da Revolução Francesa, Daniel Gomes de Carvalho, em publicação recente, fala sobre a importância do teatro, arte precursora do audiovisual, na efervescência do caos revolucionário da França daquele período: "No final do século 18 havia uma afinidade entre teatro e contestação. Nesse sentido, o teatro era visto por um número grande de pessoas como um meio de transmitir mensagens políticas, como na polêmica peça Carlos IX, protagonizada pelo mais popular ator da época, François-Joseph Talma". Essas obras de arte, no entanto, esbarravam em algumas limitações físicas e culturais, como as próprias fronteiras e línguas nacionais.

Com o passar dos séculos, o fenômeno da globalização e a democratização das mídias sociais permitiram um intercâmbio cultural e a popularização de símbolos de resistência que passaram a representar uma linguagem comum entre jovens de partes completamente diferentes do mundo. Uma pesquisa do Pew Research Center (2024) revela que cerca de 50% dos usuários do TikTok com menos de 30 anos afirmam ver conteúdo sobre política ou questões sociais na plataforma. As evidências de que a globalização e as redes sociais têm impacto nos protestos e na mobilização social são imensas. Utilizando dados da antiga rede social Twitter (atual X), cientistas políticos da Universidade da Califórnia encontraram que uma maior coordenação de mensagens na plataforma, ação chamada "hashtag coordination", está associada a uma probabilidade mais alta de ocorrência de protestos no dia seguinte. Dados do projeto Mass Mobilization Project, que cobre protestos em 162 países entre 1990 e 2018, permitem observar uma tendência global de manifestações. Embora protestos liderados por jovens e estudantes apresentem uma tendência de queda nos últimos anos, eles costumam ser mais violentos do que aqueles mobilizados por outros grupos da sociedade. No Sudeste Asiático, inclusive, a juventude foi ainda mais longe e criou um movimento transnacional chamado "Milk Tea Alliance", que usa as mídias sociais para conectar protestos em diferentes países por meio da circulação de símbolos, memes e hashtags.

Mas o Jolly Roger de One Piece não está sozinho. Na Tailândia e em Mianmar, país que teve um golpe militar televisionado durante a pandemia, jovens protestaram pela democracia com três dedos levantados, numa clara referência à saga de livros Jogos Vorazes. Nessa ocasião, a hashtag #ThreeFingersSalute alcançou milhares de pessoas no país. Um relatório do The Digital Forensic Research Lab (DFRLab) apontou que movimentos de coordenação de hashtags em Mianmar tiveram mais de 1,25 milhão de menções nas redes sociais. No início deste ano, durante os maiores protestos contra o ditador Recep Tayyip Erdoan, manifestantes na Turquia empunharam cartazes com refrões da música Uprising da banda britânica Muse, que em 2009 ganhou o Grammy de Melhor Álbum de Rock com um disco carregado de referências às obras de George Orwell. Cartazes com esses refrões também foram vistos na França e nos Estados Unidos em diferentes protestos.

Seja na Indonésia, no Japão, nos Estados Unidos ou no Peru, jovens fãs de One Piece e de outras obras de arte se reconhecem e se identificam na luta pela liberdade representada por seus personagens favoritos. Independentemente da língua ou da afinidade cultural, eles compartilham ideais e símbolos comuns que, com a ajuda da internet, atravessam fronteiras e inspiram outros jovens ao redor do mundo na defesa de suas causas e direitos.

Alan Cavalcanti, mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco

 

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