Educação: cartografia de esperança
De 27 de outubro a 1º de novembro, estamos vivendo, em Roma, o Jubileu da Educação, dentro do grande ano jubilar da Esperança......
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O Jubileu foi lançado pelo saudoso papa Francisco, praticamente um testamento de seu pontificado e, ao mesmo tempo, uma agenda de transição para o novo papa. Ao escolher o nome de Leão XIV, Prévost trouxe à pauta a doutrina social da Igreja, notadamente a Rerum novarum (Das coisas novas), de Leão XIII. Interessante recordar que aquela encíclica de 1891, sobre a condição de trabalhadores diante da revolução industrial, tratava de questões sobre as relações entre governo, mercado, trabalho e igreja (católica): o mundo mudou muito, mas, o tipo de desafio dessas relações parece muito atual. Pois, na era da revolução digital, precisamos também rediscutir, dentro de uma sociedade complexa e plural, governos e suas inflexões democráticas, mundo do trabalho e imperativos de um mercado que se tornou autorreferencial, determinando a política, as relações sociais e as instituições da sociedade, inclusive as escolas católicas. Para a doutrina social da igreja, a centralidade da pessoa permanece fundamental, mas não sem considerar uma nova visão de justiça socioambiental, além do grande e novo desafio da inteligência artificial. Nesse novo contexto desafiador, como redefinir cada campo de ação humana e da missão cristã na perspectiva da esperança? Quais seriam os passos, para falar como Paulo Freire, de uma pedagogia da esperança? Qual o papel da educação em geral e da educação de inspiração cristã em particular nesse processo de aprendizagem e de formação de cidadãos e protagonistas da aldeia global? Chegamos a Roma, dos quatro cantos do mundo, com questões desse tipo e tantas outras. O número de pessoas superou as expectativas (cerca de 20 mil participantes de 124 países!), mas as atividades são múltiplas e diversas. Certamente inspirado no provérbio africano que o papa Francisco gostava de citar - para formar uma criança é preciso uma aldeia inteira - os eventos serão distribuídos em quatro "aldeias da educação": 1) um congresso mundial intitulado "Constelações Educativas - um pacto com o futuro"; 2) "Escola do coração", com momentos de oração; 3) Percurso artístico e cultural imersivo sobre o sentido de educar; 4) Partilha de projetos relevantes no da Educação católica. Além de refletir sobre tantas questões, há momentos celebrativos, como a eucaristia de abertura e de encerramento, presididas pelo papa. Destaco desde já, porém, um marco importante. Em comemoração ao 60º aniversário da declaração Gravissimum Educationis, do Concílio Vaticano II, sobre a educação, o papa Leão XIV publicou, no dia 28 de outubro, um documento sobre a importância e atualidade da educação como ação da igreja na sociedade. A carta apostólica sob o título "Traçando novos mapas de esperança" considera, por um lado, a grande tradição católica no campo educativo e, por outro, propõe a renovação de propostas e de nossas instituições, perante os novos desafios, como o advento da inteligência artificial. Mesmo afirmando que a família "continua a ser o primeiro local de educação", a nova carta reafirma a missão da educação católica como "um ambiente onde fé, cultura e vida se entrelaçam". Interessante que o Dicastério ("ministério") da Educação católica, a partir do Cardeal José Tolentino de Mendonça - Doutor Honoris causa da Unicap - incluiu explicitamente a dimensão cultural em sua missão, considerando, portanto, que, além dos saberes da cultura universitária, todas as outras expressões culturais fazem parte da formação integral da pessoa e das sociedades. Nesse sentido, a igreja não condena as descobertas tecnológicas, mas as orienta para o serviço à pessoa, não a substituir. E assim, "devem enriquecer o processo de aprendizagem, não empobrecer as relações e as comunidades". Nesse contexto, afirma o papa que "uma universidade e uma escola católica sem visão correm o risco de cair no eficientismo sem alma, na padronização do conhecimento, que se transforma em empobrecimento espiritual". Contra essa tendência de "subordinação da educação ao mercado de trabalho e à lógica muitas vezes rígida e desumana das finanças", Leão XIV propõe uma educação aberta à cooperação global e à fraternidade, deste modo, superando divisões na Igreja Católica (e competição entre nossas instituições!), e promovendo a construção de redes educativas, na perspectiva de uma verdadeira "constelação viva e plural". Essa carta apostólica marca, certamente, uma nova cartografia para a educação, bem como o pontificado de Leão XIV. Percebemos os traços de continuidade em relação ao concílio Vaticano II - referência e bússola para toda a igreja - e ao seu predecessor, Francisco, primeiro papa eleito depois do concílio que renovou a igreja, mas, ao mesmo tempo, identificamos também sinais discretos de um novo pontificado. Na linha da grande tradição da igreja, o novo documento não apenas adverte sobre os riscos de uma cultura educativa mercadológica, centrada na tecnologia e na produtividade, mas propõe uma visão integral da educação, com base em um "humanismo integral" que articula conhecimento, ética e fé. E, dialogando com os novos desafios, o papa pontua que nenhum algoritmo poderá substituir o que torna a educação um ato verdadeiramente humano, marcado pela criatividade, pela alegria da descoberta e até mesmo pelo erro como oportunidade de crescimento. Segundo a longa tradição da doutrina social da igreja, Leão XIV afirma que, por fim, "o ponto decisivo não é a tecnologia, mas o uso que fazemos dela". Isso significa que "a inteligência artificial e os ambientes digitais devem ser orientados para a proteção da dignidade, da justiça e do trabalho; devem ser governados com critérios de ética pública e participação; devem ser acompanhados por uma reflexão teológica e filosófica à altura". Isso implica, enfim, não apenas uma formação de educadores para a era digital, mas também a importância do discernimento sobre "a concepção didática, a avaliação, as plataformas, a proteção de dados e o acesso equitativo". Interessante observar como o papa relaciona com outros temas atuais, em continuidade com o legado de seu predecessor, como a ecologia integral e a paz. Assim como a responsabilidade ecológica não se esgota em dados técnicos, assim também faz-se necessário uma educação que envolva "a mente, o coração e as mãos". Isso supõe um novo estilo de vida, novos hábitos pessoais ecomunitários, novas práticas virtuosas. A paz, por sua vez,não é apenas ausência de conflito, mas uma "força suave que rejeita a violência". Nesse sentido, uma "educação para a paz desarmada e desarmante ensina a depor as armas da palavra agressiva e do olhar que julga, para aprender a linguagem da misericórdia e da justiça reconciliada". Enfim, Leão XIV acrescenta às "sete vias" do Pacto Educativo Global, lançado pelo papa Francisco, em outubro de 2020, três novas prioridades: primeiro, "vida interior", pois os jovens precisam de espaços de silêncio, discernimento, diálogo com a consciência e com Deus; em segundo lugar, tratando do mundo digital, o papa faz apelo ao "uso sábio das tecnologias e da IA, colocando a pessoa antes do algoritmo e harmonizando as inteligências técnica, emocional, social, espiritual e ecológica"; e, a terceira prioridade refere-se à "paz desarmada e desarmante", fazendo eco ao que ele vem repetindo desde o início do seu pontificado, reforçando a missão de educar para linguagens não violentas, em vista da reconciliação, construção de pontes e não de muros.
Padre Pedro Rubens , reitor da Unicap