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A "Volta dos que Não Foram" e os Sintomas da Política Nacional

O Bolsonarismo e a direita enfrentam seu próprio dilema. A prisão e condenação de Jair Bolsonaro (PL) enfraqueceram a narrativa unificada que dominava

Por FELIPE FERREIRA LIMA Publicado em 29/10/2025 às 4:00

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A cena política brasileira continua nos surpreendendo com movimentos que aliam estratégia, pragmatismo e um retorno a bases regionais cada vez mais disputadas. No centro dessas articulações, destacam-se personagens de peso que já estiveram no tabuleiro nacional, como Ciro Gomes e Aécio Neves, e que agora reposicionam suas carreiras de olho nas eleições estaduais de 2026.

Na última quarta-feira (22/10), Ciro Gomes filiou-se oficialmente ao PSDB em um evento realizado em Fortaleza (CE), sinalizando sua candidatura ao governo do Ceará no próximo pleito estadual. Esse movimento chama atenção por uma peculiaridade estratégica: ao contrário de se alinhar exclusivamente com a esquerda, de onde se originou, Ciro articula um bloco político, capitaneado pelo ex-governador Tasso Jereissati (PSDB), que inclui apoio do centro e, sobretudo, da direita cearense, incluindo lideranças associadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O objetivo dessa aliança é claro: desbancar o PT, partido de Lula, que governa o Ceará há quatro mandatos consecutivos e tem como Ministro da Educação, o ex-governador cearense Camilo Santana (PT). Essa escolha posiciona Ciro como peça central de um movimento heterodoxo no estado, que pode reverberar na política regional e até nacional.

Enquanto isso, nas últimas semanas, Aécio Neves — figura de longa trajetória dentro do PSDB e, atualmente, deputado federal — intensificou seus esforços para disputar o governo de Minas Gerais. A movimentação teve como ponto de partida uma mudança de tom e imagem: nas redes sociais, Aécio passou a divulgar vídeos com qualidade profissional e uma linguagem renovada, tentando dialogar com um público mais amplo. Sua estratégia para conquistar o eleitor mineiro inclui comparações ponderadas de sua gestão como governador (2003-2010) com as de Fernando Pimentel (2014-2018) e do atual mandatário, Romeu Zema (2019 até agora). Nesse cenário, o tucano aposta no discurso moderado para atrair o eleitorado de centro, restaurando uma imagem que, em outros tempos, o levou a ser um nome competitivo para a Presidência da República.

Esses dois casos emblemáticos revelam, com clareza, não só a tentativa de figuras proeminentes da política nacional de se manter relevantes, mas também os sintomas de um cenário político marcado pela polarização e pela ausência de alternativas robustas em nível federal.

No campo da esquerda e do centro-esquerda, a predominância da figura de Luiz Inácio Lula da Silva, que já sinalizou intenção de buscar a reeleição em 2026, reforça o velho gargalo político do qual a esquerda tem se tornado refém. Com Lula ocupando o maior protagonismo, outras lideranças desse espectro não encontram espaço para emergir, gerando uma centralização de forças que asfixia renovação dentro do campo progressista.

Por outro lado, o Bolsonarismo e a direita enfrentam seu próprio dilema. A prisão e condenação de Jair Bolsonaro (PL) enfraqueceram a narrativa unificada que dominava o campo conservador, gerando divisões quanto ao futuro de uma oposição viável. Nomes como os governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Ratinho Júnior (PR) seguem como potenciais candidatos à Presidência, mas o campo de direita ainda se encontra imerso no dilema de se manter atrelado ao legado de Bolsonaro ou buscar novas lideranças capazes de unificar o eleitorado.

Nesse cenário, a escolha de políticos experientes, como Ciro e Aécio, de buscar protagonismo em suas regiões deve ser interpretada como mais do que um ato de sobrevivência. Trata-se de um movimento estratégico, para além dos limites estaduais, que visa ocupar espaços de poder local, reconstruir relevância e, possivelmente, preparar terreno para influenciar a política nacional no futuro.

Ainda mais notável é o contexto em que essas movimentações ocorrem: diante de uma polarização cada vez mais cristalizada no plano federal — e com o espaço para construção de terceiras vias reduzido ao mínimo —, os estados se tornam vitrines e plataformas para lideranças que desejam permanecer ou retornar aos holofotes, apostando no possível desgaste dos polos da polarização no pleito de 2030.

Por isso, mais do que movimentações locais fortuitas, articulações como as de Ciro Gomes e Aécio Neves são sintomas claros de um sistema político que luta para encontrar alternativas por entre os dilemas das lideranças que hoje protagonizam a arena política. Resta saber se esses esforços serão suficientes para criar ondas que ultrapassem as barreiras regionais e reverberem no debate nacional.

As eleições de 2026 prometem expor essas dinâmicas com ainda mais clareza. Poderemos assistir a disputas marcada pelo retorno de antigos protagonistas que enxergam nos estados o caminho mais viável para se reposicionarem em meio a um Brasil dividido. Seja pela formação de alianças heterodoxas ou pela aposta na memória de gestões passadas, o que veremos não será apenas a composição de governos locais, mas também a execução de estratégias de longo prazo que visam redirecionar os rumos da política brasileira.

Felipe Ferreira Lima é advogado, cientista político e professor de Direito Constitucional e Eleitoral

 
 

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