Editorial JC: Cenas de tragédia nacional
Operação policial do governo do Estado deixa mais de 60 mortos, e o crime organizado reage provocando caos e bloqueio de vias públicas
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O domínio de grandes comunidades do Rio de Janeiro pelo tráfico de drogas e pelo crime organizado, é constatação antiga que se espalhou para outras partes do Brasil. Estima-se que as facções, que não estão mais apenas no Rio e em São Paulo, tendo nesses estados suas origens, fazem parte de um negócio estimado em dezenas de bilhões de reais por ano, e não somente com entorpecentes.
Tal montante de dinheiro explica, em parte, a sustentação de rotas de drogas, armas pesadas – caras, como drones e fuzis – e munições que tornam o combate com a polícia um confronto violento semelhante a uma guerra. Afinal, há poder de fogo, estratégia e comando bélico dos dois lados.
Mas transformar a crise da segurança em guerra contra os bandidos é fazer o jogo da criminalidade no campo do adversário do interesse público. A operação nos complexos do Alemão e da Penha, fruto da decisão política antes de ser da responsabilidade de policiais que cumprem ordens, no caso, do governador Cláudio Castro, não se trata de novidade na história recente do Rio de Janeiro.
Outras já foram realizadas – e todas, sem a eficiência prometida, pois o crime e a violência só aumentaram nos últimos anos. E se expandiram para dominar diversos pontos do território brasileiro, assumidos pelas facções como um mercado em crescimento. Mercado livre, lucrativo e impune para quem mais lucra e dá ordens para a bandidagem, sem a regulação do poder público para conter o avanço da ilegalidade e da força bruta.
A população sofre os transtornos da incapacidade dos governos, como se vê no Rio, com o ir e vir proibido por causa de bloqueios realizados pelas facções, não só nas comunidades, mas na cidade inteira, fechando acessos rodoviários e até para os aeroportos. Escolas anteciparam o fim do dia de aula, e até a Câmara Municipal cerrou as portas, temendo a ação dos criminosos. Diante dessa fragilidade institucional, traduzida em fraqueza de organização para a garantia do bem coletivo, a saída não é uma intervenção federal com tanques blindados – isso já foi feito e tão pouco deu certo.
Por incrível que pareça, sob o peso de tantas mortes, inclusive de policiais, a operação repetida no Rio pode fazer avançar o necessário debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC da Segurança Pública, em lenta tramitação no Congresso. Pois não se trata de assunto restrito aos cariocas, diz respeito ao país inteiro. Relator da PEC, o deputado federal Mendonça Filho falou sobre o tema à Rádio Jornal, no programa Passando a Limpo.
Para o deputado, a integração dos municípios e de entidades federais ao trabalho desenvolvido em sua maior parte pelos governos estaduais, é fundamental, sem concentração de poder por parte do governo federal. “Descentralização e atuação forte dos estados é o que vai dar efetividade ao combate ao crime organizado no Brasil”, defende Mendonça. Com articulação de propósitos, recursos e funções, a segurança pública no Brasil pode impedir que a tragédia se alastre.