Gustavo Henrique de Brito Alves Freire: Os honorários advocatícios e o que é (ou devia ser) básico sobre eles entender
Os honorários não são bolsas de sangue cenográfico. Eles existem como mecanismos garantidores da dignidade basilar desse referido profissional.
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Diante do próprio sentido etimológico, não devia existir confusão ou dúvida, exceto se o intuito for o de dificultar: a palavra "honorário" provém do latim "honorariu", cujo radical "honor" significa "honra".
Na realidade da advocacia, desde a antiga Roma, os registros ensinam que os "advocatus" não eram pagos, já que se enxergava a atividade como forma de arte, sem outra conotação. Os "honorarius" indicavam o prestígio e a notoriedade recebidos em nome da honra conquistada.
Dignidade constitucional
Os honorários advocatícios, topicamente na feição sucumbencial, são verbas alimentares, além de meio de sustento do profissional da respectiva carreira, expressando com isso a dignidade constitucional de que a mesma é investida, razão bastante para que a sua fixação jamais se dê de forma ínfima.
Em reflexão publicada na revista eletrônica Consultor Jurídico de 23/9, o advogado e doutor em direito pela PUC-SP, Rogério Licastro, bem aborda a eterna saga da advocacia brasileira junto ao sistema judicial no combate à visão de mundo estreita e míope que insiste em fixar honorários sucumbenciais irrisórios, destacando o isentimento de frustração que isso traz, sendo, mesmo, insulto ao nobilíssimo sacerdócio do advogado no Estado de Direito, tornando letra morta (e fazendo decorativo e sem efetividade) o artigo 133 da Constituição. O colega acrescenta: essa realidade nulifica a própria função sancionatória inerente ao instituto da sucumbência. Quer dizer: é algo duplamente cruel.
Castigo
Prossegue: "A modicidade de honorários sucumbenciais fixados em clara colisão com os vetores legais - e mesmo jurisprudenciais - aplicáveis ao assunto é algo que consome a energia e a autoestima do profissional da advocacia". E conclui: "Remuneração injusta deixa de ser pagamento e passa a ser castigo, pois nada mais faz senão enxovalhar um ofício que tem estatura constitucional, como o é a advocacia".
Nada como lançar mão do exemplo real para que se compreenda a tese de fundo que se está a abordar. Em setembro último, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu que honorários advocatícios de sucumbência arbitrados em cem reais são manifestamente irrisórios por contrariar o princípio da justa remuneração do trabalho do advogado e como tais podem ser revistos pelo Judiciário.
Cuidava-se de ação cautelar de produção antecipada de provas extinta sem incursão do mérito. A parte autora foi condenada a pagar a verba sucumbencial de 10% incidente sobre o valor da causa, o que foi mantido pelo TJSP, sob a alegação de simplicidade da demanda.
No STJ, deu-se recurso especial junto à Terceira Turma, concluindo-se ali que os honorários foram estabelecidos com razoabilidade e proporcionalidade, e que os rever esbarraria no obstáculo da Súmula 7 da Corte, pois exigiria rediscutir fatos e provas.
Desse acórdão houve embargos de divergência, sustentados em precedentes do próprio Tribunal que o valor de cem reais em honorários Dé sucumbência foi reputado ínfimo, e, com isso, esvaziador do status dignitatis do profissional da advocacia e dela mesma.
Interesse
O relator dos embargos, Ministro João Otávio de Noronha, em seu Voto, expressou com cirúrgica sensibilidade: "A revisão, nessas circunstâncias, pode ocorrer sem a necessidade de revolvimento de fatos e provas, pois a análise se dá com base em critérios objetivos, como a razoabilidade e a proporcionalidade da verba honorária".
Como desbordo, foram aprovadas pela Corte Especial duas teses da maior importância. 1) Honorários advocatícios fixados em valor manifestamente irrisório podem ser revistos sem necessidade de revolvimento de matéria fático-probatória; e 2) A revisão de honorários irrisórios não se submete ao óbice da Súmula nº 7 (EREsp 1.782.427).
Eis o cerne da coisa. Os honorários advocatícios não são bolsas de sangue cenográfico. Eles existem como mecanismos garantidores da dignidade basilar desse referido profissional, tão epicêntrico, remunerando-o e jamais o punindo, menos ainda sob a roupagem de um inusitado senso do que é ser justo, supondo-se que se protege o interesse coletivo apertando-se o cerco a tal verba, dosando- a acima de tudo com má vontade.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado