O alicerce mais sensível da democracia
As democracias promissoras são aquelas em que civis e militares transformam o poder da força, em força do direito! ..........................
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Há duas semanas, publiquei, aqui no JC, um artigo de opinião sobre as relações entre civis e militares, tendo por base uma análise do discurso do Secretário da Guerra dos EUA, Pete Hegseth, proferido na base de fuzileiros navais da Virgínia, para cerca de 800 oficiais generais.
O tema gerou comentários em diversos círculos de leitores, razão pela qual me proponho a retomá-lo e aprofundá-lo com o enfoque acadêmico.
Desde a elaboração teórica de Samuel Huntington na obra O Soldado e o Estado, publicada na década de 1950, as relações entre civis e militares são vistas como um dos alicerces mais importantes e sensíveis da ordem democrática.
Quando harmônicas, sustentam o equilíbrio entre autoridade e legitimidade. Quando tensionadas, abrem espaço para desconfiança e instabilidade.
É nesse delicado ponto de interseção da espada afiada com a pena que a guia, que repousa o verdadeiro teste de maturidade política de uma Nação.
Em toda democracia bem instruída, as Forças Armadas existem para servir ao Estado e à Nação, jamais a governos ou partidos.
Sua clara missão é proteger a soberania de um país, as riquezas de toda ordem e a integridade física da sua terra e de seu povo.
Elas se vestem dos valores e das tradições de sua gente, visando o objetivo mais nobre de sua razão de existir: a defesa da PÁTRIA.
O ideal das relações entre civis e militares pressupõe um arranjo de responsabilidades que se entrelaçam e se complementam.
Dos civis eleitos ou nomeados para os cargos de liderança no sistema de defesa exige-se um comando institucional, sereno, objetivo e responsável.
Dos militares, a lealdade, a disciplina e a competência técnica-profissional em prol do Estado.
Da sociedade, o controle democrático daqueles que definem o que fazer e daqueles que executam o que fazer.
Essa relação é, na prática, um contrato social, amarrado nas leis modeladoras do Estado e assinado "com o fio do bigode" da honra de ambas as partes.
Durante suas jornadas de sacrifício, importante iluminar que os militares esperam reconhecimento, apoio e confiança da liderança e da sociedade.
Acolhem tais expectativas, contudo, apenas quando elas são legítimas e compatíveis com os limites de um controle civil objetivo genuíno.
Por sua vez, os dirigentes civis precisam compreender e aceitar assessoria militar nos temas relativos à segurança, diferenciando o que é de Estado do que é de Governo.
Perceber, também, que o assessor militar quando fala com franqueza, mesmo que incômoda, o faz com viés institucional. Não é uma questão de contestação amadora, é uma questão de discordância leal.
Como máxima, o pacto democrático entre fardados e não fardados não se sustenta na mera subordinação formal.
Requer civis alijados de ideologias refratárias à unidade da Nação e capazes de dirigir a defesa nacional, e militares maduros o bastante para compreender que a obediência institucional é a mais alta forma de reconhecimento dos valores que alimentam o ethos da corporação.
Quanto à sociedade, que seja vigilante, que acolha o papel das Forças Armadas sem transformá-las em instrumento mitológico ao incorporar a ideia do "Homem Providência".
Mesmo em tempos atuais, ainda paira risco da desarmonia entre esses polos.
De um lado, a arraigada convicção moral, acompanhada de capacidade técnica específica, pode levar os militares a julgar-se árbitros do destino nacional.
De outro, o amadorismo político pode conduzir lideranças civis a tratar a defesa e seus integrantes com desdém, descuido ou suspeição.
Ambos os extremos — o messianismo fardado e o populismo desinformado — corroem o edifício institucional e ameaçam o contrato social que sustenta a democracia.
Quando as lideranças civis, sociedade e militares se encontram e peleiam juntos estribo a estribo, a Nação se torna resiliente. Quando se separam, as fissuras aparecem e a história mostra que, uma vez abertas, são de difícil reparo.
As democracias promissoras são aquelas em que civis e militares transformam o poder da força, em força do direito! No Brasil, temos boas chances de sermos exemplos desse ideal.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva