O que é Serviço Público
Proponho, nesse artigo, uma rápida reflexão sobre o que significa "serviço público" e sobre que fundamentos ele se assenta ....................

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Estamos de volta à discussão, proposta por um deputado do PL - um tal de "Não sei quê" Trovão!, de reforma da administração pública que, na verdade, não é "reforma", num sentido de adaptação das instituições públicas a uma realidade cambiante, mas uma típica agressão ultraliberal ao nosso precário Estado promotor de Bem-Comum e de suposto bem-estar social.
Proponho, nesse artigo, uma rápida reflexão sobre o que significa "serviço público" e sobre que fundamentos ele se assenta.
Existe uma filosofia da República, assim como existe uma filosofia do Serviço Público, quer dizer: um fundamento razoável que o justifica em função de um fim socialmente desejável. A ideia de que nós somos todos iguais nunca foi facilmente aceita. Jesus - em meio a uma sociedade escravista- disse isto e deu no que deu! E a Igreja que se construiu em Seu nome dogmatizou a desigualdade e a hierarquia terrena. Só bem mais tarde é que a noção de igualdade retorna, como igualdade natural (todos os Homens nascem iguais) e formal (todos são iguais perante a Lei). Mas o que vemos por aí é desigualdade e "homens acorrentados" (Rousseau), então é necessário que as instituições sociais corrijam o que o próprio social produziu: não teria sentido anunciar a igualdade ontológica dos homens e permitir a desigualdade social e real. É por isso que existe Serviço Público: inferiorizado econômica e socialmente eu não posso atingir o máximo possível de minha Humanidade, seja do ponto de vista ético seja do da racionalidade.
Trata-se de um Direito: o direito que todos temos de nos tornarmos Homens -esta difícil construção subjetiva e social- responsabilizando o Estado - como realização da Sociedade Política- a oferecer a todos nós os meios que nos fazem gozar da condição humana: uma Escola Pública que eleve meu saber ao máximo de universalidade e de construção de minha própria e intransferível subjetividade; uma Saúde Pública que permita gozar de minha primeira propriedade, o corpo; uma Segurança Pública que garanta meu direito de permanecer vivo (uma das condições de fundo para que eu seja um portador de direitos, lembrando que a morte é o término da personalidade jurídica da Pessoa Natural, mas o morto dispõe também de proteção legal).
O Serviço Público como Bem Comum não é um atributo das democracias, e sim, das repúblicas: os estados totalitários também dispunham de Serviço Público, sobretudo aqueles que pregavam a igualdade social (mesmo em detrimento da liberdade individual), como foi o caso dos "socialismos reais".
O Serviço Público, assim, é um direito horizontal; a prestação de serviço privado é um negócio vertical: tem quem pode pagar, hierarquizando os homens em função de sua capacidade de compra. O Serviço Público é (isto pode parecer um truísmo) republicano; o serviço privado é aristocrático e censitário. E foi exatamente contra o espírito aristocrático do Antigo Regime que Condorcet (1789) elaborou seu "Mémoire sobre o Público e o Comum".
Destruir o Serviço Público é promover o ESTADO CENSITÁRIO DO DESDIREITO que é fundado na crença de que os homens não são iguais. E não merecem sê-lo.
Flávio Brayner, professor Emérito da UFPE