Artigo | Notícia

A briga do vizinho vai nos incomodar

Desde a posse, Trump vem atacando o governo Maduro, segundo ele, para combater o comércio de drogas que afetam os EUA...................

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 18/10/2025 às 0:00 | Atualizado em 20/10/2025 às 7:14

Clique aqui e escute a matéria

Nessa semana, o Coronel do Exército Paulo Filho, analista do CEEEx, publicou um texto de opinião no qual examinou as relações atuais entre EUA e Venezuela.

No artigo, ele observou que a concessão do Prêmio Nobel da Paz à María Corina Machado, opositora do presidente Nicolás Maduro, intensificou as tensões entre Washington e Caracas.

Aproveitando a visibilidade, Corina apelou ao presidente Donald Trump por maior apoio à derrubada de Maduro, acusado pelos EUA de chefiar um cartel de narcotráfico e de governar de forma ilegítima.

Na quarta-feira passada, jornais americanos publicaram que o presidente Trump autorizara a CIA a executar operações em território venezuelano para desestabilizar o governo Maduro. Posteriormente, a assertiva foi confirmada pelo próprio Trump em uma conversa com a imprensa.

Desde a posse, Trump vem atacando o governo Maduro, segundo ele, para combater o comércio de drogas que afetam os EUA (se o objetivo incluir também o domínio do "petróleo bolivariano", não será surpresa).

Há algumas semanas, o Comando Sul dos EUA deslocou 10.000 militares, navios, submarinos e caças de última geração para a região do Caribe, de onde poderá operar com mais eficácia.

O movimento, contudo, parece-me que vai além da guerra ao narcotráfico em alto-mar e sugere possível preparação para ações militares diretas contra a Venezuela.

Em resposta, Caracas se pôs em prontidão e levou o caso à ONU, com apoio de Rússia e China, denunciando violação de sua soberania.

O analista concluiu ser improvável uma invasão em larga escala, mas admitiu um crescente risco de operações pontuais ou de apoio a dissidentes internos, o que poderia desencadear um conflito com grandes reflexos na região.

Essas tensões se aproximam perigosamente da fronteira brasileira e não podemos fechar os olhos às vulnerabilidades do nosso extremo Norte.

É fato, a Venezuela vive um processo de colapso institucional. A prolongada crise econômica, o êxodo de milhões de cidadãos, a erosão dos serviços públicos, o desrespeito aos princípios democráticos e a politização das Forças Armadas corroeram a capacidade do governo de exercer controle sobre o país.

Uma eventual ação militar americana mergulharia o país em total anomia, ambiente no qual diferentes grupos armados disputariam poder, recursos e legitimidade. Some-se a essa fotografia desfocada, a presença de milícias civis ideologizadas.

Criadas no governo de Hugo Chávez, Maduro as fortaleceu e afirma contar com mais de 4,5 milhões de homens e mulheres armados com milhares de fuzis - um contingente expressivo, ainda que seu número seja discutível.

Em caso de falência estatal, esse arsenal poderia facilmente ser desviado através das fronteiras da Guiana, da Colômbia e do Brasil, alimentando o crime organizado regional.

Certamente, facções brasileiras teriam acesso a esse armamento, por um preço reduzido, e o empregariam dentro de nosso território, afrontando a segurança pública, fonte de perene preocupação da sociedade.

Nesse ponto, segurança pública e defesa nacional se entrelaçam. A entrada de armas, drogas e até de criminosos por nossas fronteiras porosas é um desafio que exige ação coordenada entre Forças Armadas, Polícia Federal, polícias estaduais, órgãos de inteligência e demais instituições capazes de cooperar na empreitada.

Assim como o Coronel Paulo Filho, avalio que uma ação direta dos EUA contra a Venezuela, se ocorrer, será de caráter limitado e seletivo.

Ainda assim, os efeitos colaterais seriam significativos: aumento da pressão migratória, fragmentação de alianças regionais, intensificação da presença de potências externas no entorno da América do Sul e riscos à nossa soberania territorial, tendo como mote a questão ambiental.

Nesse contexto, o Brasil não pode se refugiar na neutralidade passiva. Deve adotar uma neutralidade ativa, em ação capaz de combinar firmeza diplomática, dissuasão militar e inteligência política.

Isso significa condenar agressões que violem o direito internacional - pau que bate em Chico, bate em Francisco - e, ao mesmo tempo, sem a ingenuidade meliana, estar pronto para agir com determinação na defesa de nossos interesses vitais.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

 

Compartilhe

Tags