O som que ultrapassa o limite do bom senso
Celebrar é humano, e o som alto costuma ser visto como sinônimo de alegria. No entanto, há uma linha muito tênue entre diversão e perturbação.

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Nestes anos todos de atuação no colunismo social, vivenciei várias fases das festas de casamento. Inicialmente, aconteciam em igrejas, especialmente no final da tarde do sábado ou por volta das 20h. Depois, em espaços anexos aos templos, havia o corte do bolo, servido com champagne. A maioria desses bolos era assinada por Leonir Asfora, mestre do setor. Em seguida, os noivos seguiam para a lua de mel, e os convidados retomavam sua rotina normal.
Naquela época, os principais clubes sociais da cidade - Internacional, Português, Sport, Náutico, Iate, AABB - promoviam nos fins de semana festas que lotavam suas sedes. As pessoas podiam dançar, assistir a shows de artistas famosos, muitos dos quais dividiam suas agendas com apresentações nos programas "Noite de Black Tie" e "Você Faz o Show", na TV Jornal. Compartilhando despesas com passagens e hospedagem. O som era baixo, suficiente para que as pessoas dançassem ou conversassem nas mesas.
Com o tempo, tudo foi mudando. As festas praticamente desapareceram junto com os clubes, a maioria sem funcionamento, restando apenas alguns sobreviventes, mas com outras atividades, pois as festas não atraíam mais os associados. Os shows migraram para grandes espaços, casas de shows ou apresentações gratuitas nas ruas, patrocinadas pelos governos.
Os eventos sociais passaram a ser as confraternizações particulares, 15 anos, aniversários, mas principalmente os casamentos. Pouco a pouco, essas recepções foram perdendo a simplicidade, tornando-se megaeventos, com buffets sofisticados, decorações suntuosas, bares de bebidas com rótulos famosos e caros, e também shows. O custo dessas recepções muitas vezes ultrapassa a marca de um milhão de reais, dificilmente ficam abaixo de R$ 500 mil.
Celebrar é humano, e o som alto costuma ser visto como sinônimo de alegria. No entanto, há uma linha muito tênue entre diversão e perturbação. Quando o volume ultrapassa o limite do bom senso e invade o espaço do outro, o direito ao lazer se transforma em desrespeito, exatamente o que tem acontecido em muitas dessas festas.
Os organizadores desses eventos contratam bandas e DJs especializados em colocar as caixas de som no volume mais alto. Muitos desses grupos musicais começam o desrespeito já com os convidados, deixando para "passar o som" não cedo, como deveria, mas na hora em que muitos já chegaram.
Quando começam a tocar, o som se torna insuportável, muitas vezes para mascarar a limitada qualidade artística. O salão de dança fica vazio, as pessoas nas mesas não conseguem conversar e acabam gritando. Por isso, é comum que alguns saiam mais cedo por não suportarem o barulho. Caso houvesse algum cerimonialista atento, orientaria para deixar o som estridente apenas na hora das comemorações, com os noivos presentes e a pista de dança cheia, nunca enquanto as pessoas tentam conversar. O som ensurdecedor com decibéis elevados prejudica a convivência.
Vou relembrar dois episódios que testemunhei. Certa vez, a Orquestra de Ray Conniff, a mais famosa do mundo, veio se apresentar no Clube Português. O promotor do evento me mostrou uma pessoa no meio do salão com um aparelho na mão: era o responsável por controlar o volume do som e informar o maestro, que jamais cometeria o excesso de decibéis que alguns desses conjuntos atuais praticam. Outra situação ocorria quando Dona Magdalena Arraes, então primeira-dama de Pernambuco, ia a eventos. Quando o som ultrapassava os limites do bom senso, ela ameaçava ir embora, e todos corriam para diminuir o volume e impedir que ela saísse.
Usar o argumento de que "todo mundo faz" ou que "é só uma noite" não justifica o absurdo. Claro que há pessoas que adoram o som alto, mesmo sem conseguir conversar (ou até paquerar, em alguns casos), mas a maioria, tenho certeza, preferiria um som normal. O verdadeiro som da alegria não é o que ensurdece - é o que harmoniza convivência, música e celebração. Um trio muito raramente encontrado nessas festas de casamento.
João Alberto Martins Sobral, editor da coluna João Alberto no Social 1