Economia e demografia
O grande estrangulamento da economia brasileira reside precisamente na baixa formação profissional que depende da qualidade da educação.

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O desemprego no Brasil vem declinando, nos últimos anos, alcançando, atualmente, o mais baixo nível da história recente, com 3,5%, menor valor desde 2012. E, no entanto, a economia continua com ritmo de crescimento muito baixo (menos de um porcento ao ano, de 2012 a 2024, sem esquecer que foram anos atípicos (crise do governo Dilma Rousseff e Covid-19). Com quase pleno emprego, vários setores da economia já reclamam da falta de disponibilidade de mão de obra, resultado da lenta evolução da PIA-População em Idade Ativa e da estabilização da taxa de ocupação (ou seja, percentual da PIA que está no mercado de trabalho): de 2015 a 2025, a PIA cresceu em média 0,87% ao ano (IPEADATA) e a taxa de ocupação se manteve pouco acima de 62% (no mesmo período - 2015 a 2025 - PEA-População Economicamente Ativa cresceu apenas 0,79% ao ano). Ou seja, a quantidade de novos brasileiros que entrou no mercado de trabalho por ano foi muito baixa e tende, portanto, a ser insuficiente se houver uma expansão da economia a taxas mais altas que o medíocre desempenho recente. Desta forma, o aumento dos investimentos para dinamizar a economia pode sofrer um estrangulamento no mercado de trabalho, a não ser que seja acompanhado da elevação da produtividade do trabalho. No passado recente a produtividade do trabalho no Brasil se manteve praticamente estagnada, apesar do aumento registrado na agropecuária.
A economia não vai crescer impulsionada pelo consumo, como vem apostando e defendendo o governo Lula da Silva, se a taxa de investimentos do Brasil continuar flutuando em torno de modestos 17% do PIB (Formação Bruta de Capital Fixo), muito abaixo dos 30,9% da Coréia do Sul e mesmo dos 22,2% do Chile (para dar alguns exemplos e não humilhar com os 41,1% da China). Entretanto, como referido acima, considerando a lenta evolução da PIA-População em idade ativa, se não houver uma elevação da produtividade do trabalho, qualquer aumento dos investimentos vai enfrentar carência de mão de obra a ponto de inviabilizar os negócios. No futuro, a situação se agrava pelo fim do chamado "bônus demográfico". Nos próximos dez anos (2025/2035), de acordo com projeções do IBGE, a PIA deve crescer a taxas de 0,16% ao ano e iniciar um movimento de declínio a partir do último ano (2035). Isto significa que, mantida a relação PEA/PIA (em torno de 62%), o problema do Brasil poderia deixar de ser o desemprego para apresentar-se como carência de mão de obra, tanto mais grave quanto maior a intenção de investimentos.
É verdade que, no futuro (já nestes próximos dez anos), o Brasil experimentará também uma acelerada difusão de novas tecnologias na economia que levam a níveis mais altos de produtividade do trabalho, evitando o estrangulamento do mercado de trabalho. Entretanto, neste ponto, o Brasil padece de outro obstáculo: a deficiência estrutural da qualificação da força de trabalho impede o aumento da produtividade porque os novos investimentos que acompanham as inovações tecnológicas demandam mão de obra qualificada para lidar com equipamentos e processos avançados e sofisticados. As novas tecnologias poderiam permitir que a economia brasileira convivesse bem com o lento e declinante crescimento da população em idade ativa, mas não se realizam completamente porque os trabalhadores que buscam trabalho têm, no geral, baixo nível educacional e carência de habilidades para lidar com os avanços tecnológicos.
O Brasil pode viver um lamentável paradoxo: carência de mão de obra qualificada para atender à demanda da nova economia com média a alta produtividade do trabalho, e desemprego por inadequação do mercado de trabalho às inovações tecnológicas, vale dizer, disponibilidade de mão de obra qualificada. O mais provável será, contudo, que a carência de mão de obra qualificada continue inibindo o aumento da produtividade do trabalho (via inovação tecnológica), restringindo o crescimento da economia e deixando o Brasil para trás na competição internacional.
Dois fatores estruturais definem o futuro da economia brasileira e que tem a ver diretamente com o mercado de trabalho: a evolução demográfica, com a tendência de declínio da PIA, e a qualificação da força de trabalho. Não se pode fazer nada para alterar a evolução demográfica, a não ser o estímulo a uma forte imigração de jovens, o que não é fácil e não parece razoável). Mas, os governos podem promover uma mudança profunda na qualidade profissional da população em idade de trabalho, preparando os trabalhadores para os investimentos que incorporem as novas tecnologias. Desta forma, viabiliza o aumento da produtividade das empresas e da economia brasileira e assegura a oferta de empregos com salários mais altos que aqueles que são possíveis na velha economia.
O grande estrangulamento da economia brasileira reside precisamente na baixa formação profissional que, no entanto, depende totalmente da qualidade da educação. Como é possível preparar os brasileiros em idade ativa para lidar com as novas tecnológicas se a grande maioria dos jovens que estão saindo do ensino médio (e só uma parcela conclui o ensino médio) não tem proficiência em matemática e limitado domínio do português? Para enfrentar este passivo estrutural, o Brasil precisa de uma grande mobilização de recursos financeiros e humanos das três instâncias de governo e da sociedade, para dar um salto na educação (e não se conformar com os pequenos avanços do IDEB), e para uma acelerada qualificação da população em idade ativa. Esta é uma prioridade estratégica do Brasil - educação e qualificação - que, além do mais, é urgente, porque a evolução demográfica e a revolução tecnológica não vão esperar por melhorias incrementais. Esta é uma prioridade estratégica do Brasil - educação e qualificação - que, além do mais, é urgente, porque a evolução demográfica e a revolução tecnológica não vão esperar por melhorias incrementais.
Sérgio C. Buarque, economista