Saúde dos planos é boa para a saúde de todos
O fortalecimento da saúde suplementar, com medidas que ampliem o acesso aos planos, terá o condão de melhorar as condições de vida da população
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Está na nossa Constituição: instituições privadas são parte complementar do Sistema Único de Saúde (SUS), que acaba de completar 35 anos de implantação no país. A relevância da saúde privada para a qualidade de vida e o bem-estar de todos os brasileiros decorre do fato de que, sem ela, nosso sistema público simplesmente colapsaria. A abrangência e a importância da saúde suplementar para toda a cadeia de prestação de serviços de saúde atestam seu papel central na assistência aos brasileiros.
É, portanto, evidente que uma boa condição econômica e financeira das operadoras de planos de saúde não interessa apenas às cerca de 700 empresas privadas que exploram a atividade no país. É crucial também para o bom funcionamento do sistema de saúde brasileiro como um todo. Quando a saúde suplementar vai bem, o SUS vai melhor ainda. Também por isso, os resultados positivos recentes dos planos devem ser vistos com bons olhos - e não com ressalvas e críticas.
Os planos de saúde viveram crise sem precedentes após a pandemia da covid-19. Foram três anos seguidos de prejuízos operacionais. Entre 2021 e 2023, as despesas operacionais superaram as receitas obtidas com mensalidades em mais de R$ 17 bilhões. Apenas no ano passado, a operação do setor voltou a se pagar - durante todo o período, o que garantiu a sobrevivência da saúde suplementar brasileira foram os resultados financeiros, ou seja, os ganhos advindos de aplicações em ativos como títulos públicos.
Mesmo com a recente melhora dos indicadores econômico-financeiros do setor, centenas de operadoras continuam trabalhando no vermelho. Significa que o negócio não se paga com o que recebem das mensalidades recebidas de famílias e empresas contratantes. Mais exatamente, 225 empresas estão nesta situação hoje, o que representa uma em cada três operadoras em atividade no país. A maioria delas atuam em municípios menores, sobretudo em regiões como Norte e Nordeste, e são de pequeno porte. Em muitos casos, são a única opção de atendimento da localidade.
Nem todos têm clareza de como funciona a atividade de planos de saúde. As operadoras nada mais fazem do que intermediar o dinheiro que recebem dos beneficiários e repassá-lo aos prestadores de serviços, isto é, médicos, hospitais, consultórios e laboratórios, pelo atendimento dado aos pacientes. Em média, as empresas transferem em torno de R$ 85 de cada R$ 100 que recebem, fazendo funcionar uma longa cadeia de serviços que emprega cerca de 5 milhões de profissionais.
Como atividade tipicamente de intermediação, o setor de planos de saúde tem margem de lucro bastante baixa. No primeiro semestre deste ano, o resultado líquido equivaleu a 6,8% das receitas, de acordo com metodologia da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). É bem menos que a média registrada por outros setores regulados, como energia elétrica e telecomunicações, e também bem abaixo da margem auferida por operadoras privadas de planos de saúde em outros países.
Segundo várias pesquisas de opinião, planos de saúde estão entre os principais desejos dos brasileiros, junto com a casa própria e a educação em escola privada. Logo, todo esforço deve estar voltado para criar mais oportunidades que possam ampliar o acesso da população aos serviços de qualidade oferecidos pela saúde privada. Nem sempre, porém, a regulação colabora para essa desejável expansão.
A regra imposta aos reajustes de planos individuais, por exemplo, redundou num virtual desaparecimento desse produto do mercado, já que é praticamente impossível cobrir as despesas assistenciais - que crescem de maneira assustadora aqui e em todo o mundo - com as mensalidades cobradas. Assim, a oferta passou a concentrar-se nos planos coletivos, que perfazem pouco mais de 83% do mercado atualmente.
Neste ano, os reajustes dos planos individuais são os mais baixos desde 2008, ou seja em 17 anos - com exceção do atípico reajuste negativo de 2021, decorrente do encolhimento expressivo dos atendimentos no auge da pandemia do coronavírus. Já o aumento médio dos planos coletivos situa-se atualmente em pouco mais de 11%, o menor desde 2021, de acordo com dados oficiais divulgados pela ANS.
Às operadoras o que interessa é poder praticar as menores mensalidades possíveis, pois isso significa aumentar o número de clientes e de pessoas atendidas. Neste sentido, os preços cobrados de empresas e famílias contratantes devem ser vistos como termômetro - e não como causa - do que precisa ser a real preocupação de quem se interessa pela ampliação do acesso à saúde para os brasileiros: a escalada dos custos dos tratamentos, medicamentos e inovações.
Em todo o mundo, gestores buscam formas de racionalizar despesas assistenciais e, com isso, fazer com que o cobertor curto dos orçamentos de saúde consiga atender mais pessoas e salvar mais vidas. A perspectiva é desafiadora. Fatores como o envelhecimento populacional e a adoção de tecnologias cada vez mais caras tendem a onerar ainda mais os tratamentos, agora e no futuro.
No Brasil, um dos custos que encarecem os planos é o da judicialização. Desde 2019, as operadoras gastaram R$ 16,8 bilhões apenas com despesas judiciais. A saúde suplementar é regida pela lógica do mutualismo. Isso significa que todas as despesas são repassadas para os contratantes e, assim, aumentam as mensalidades. Reduzir a judicialização é, pois, benéfico para o conjunto dos usuários de planos - até porque, na maioria, quem se favorece do acesso à Justiça são aqueles que têm mais condições de ir aos tribunais.
Mudanças regulatórias e jurídicas recentes indicam que a saúde brasileira poderá dispor de mais mecanismos que auxiliem na racionalização das despesas assistenciais, colocando a segurança do paciente no centro das decisões e valorizando a medicina baseada em evidências, sempre na direção das melhores práticas internacionais. São avanços benéficos para o conjunto dos usuários, e não apenas para a sustentabilidade econômico-financeira das operadoras de planos de saúde.
Hoje, Pernambuco tem apenas cerca de 16% de sua população coberta por planos de saúde, bem abaixo da média nacional, próxima de 25%. São 1,4 milhão de pessoas atendidas no estado. O fortalecimento da saúde suplementar, com medidas que ampliem o acesso aos planos, terá o condão de melhorar as condições de vida da população e produzir mais bem-estar, tanto aqui, quanto no resto do país. Quanto mais saudáveis estiverem os planos, melhor será para a saúde de todos.
Cesar Cardim Junior, superintendente de Regulação da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar)