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Diferenciais de renda do trabalho no Brasil

As diferenças de rendimento do trabalho evidenciam uma sociedade profundamente desigual onde o estado brasileiro revela-se um ator expressivo.

Por JORGE JATOBÁ Publicado em 14/10/2025 às 0:00 | Atualizado em 14/10/2025 às 13:15

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Dados do Censo Demográfico de 2022 indicam significativas diferenças de renda entre as regiões brasileiras e, dentro delas, hiatos expressivos entre os rendimentos de homens e mulheres. Para o Brasil, o valor do rendimento médio mensal de todos os trabalhos das pessoas de 14 anos ou mais ocupadas na semana, de referência da pesquisa foi de R$2.850,64, cerca de 2,35 vezes o salário-mínimo vigente em 2022. Na média brasileira, os homens têm rendimento 24,3% acima das mulheres e, entre as regiões, o Centro-Oeste (R$ 3.292,46) tem o maior e o Nordeste (R$ 2.014,62), o menor, uma diferença de 63,4%. O Nordeste tem um rendimento médio mensal que corresponde a 70,6% da do Brasil. Essas são diferenças entre rendimentos médios que têm múltiplas causas. A desigualdade pode ser mensurada também por medidas de dispersão em torno da média ou por coeficientes como o de Gini que não são objeto de análise neste artigo. Estamos avaliando diferenças entre rendimentos médios.

As desigualdades, não importando como sejam medidas, persistem no país apesar dos avanços registrados ao longo deste século, exceto nos anos da pandemia. O mercado precifica o trabalho das pessoas segundo o nível educacional e qualificação profissional, região de origem e/ou residência, habilidades e competências, gênero, e idade, entre outras características, algumas idiossincráticas ou mesmo preconceituosas que ensejam práticas discriminatórias.

As diferenças de rendimentos do trabalho são encontradas tanto no setor privado quanto no setor público, entre eles e dentro deles. A contribuição do setor público para a desigualdade observada no país é explicada por fortes segmentações no mercado de trabalho caracterizadas por barreiras à entrada via concursos públicos ou pelo voto. Esses mercados com acessos restritos explicam também as fortes diferenças salariais dentro do setor público como as encontradas entre as carreiras de estado que constituem a elite do serviço público tais como juízes e procuradores, entre outras, e a base formada por professores e médicos, por exemplo, sem falar dos funcionários públicos de nível médio. Essas diferenças estão na base das discussões sobre a proposta de Reforma Administrativa, no Congresso Nacional que tem dificuldade em prosperar por causas das fortes resistências corporativas e sindicais e pelas pressões exercidas sobre os núcleos de poder.

Há diferenças de rendimentos entre os membros dos diferentes poderes da República, especialmente entre o Judiciário e os demais, pleno de benesses e penduricalhos que se eternizam e se incorporam aos rendimentos ao longo dos anos. Todavia, o que se destaca são as diferenças de rendimentos entre as elites dos três poderes e os da base da sociedade. Matéria da Folha de São Paulo (FSP) do dia 13 de agosto de 2025, revela com clareza essas diferenças com base nos dados do Índice de Disparidade Salarial 2025 elaborado pelo LIVRES. O Brasil tem um dos piores índices de desigualdade de renda entre funcionários públicos e a população, atrás de países como Chile e Argentina. No Brasil, políticos e juízes federais percebem rendimentos cerca de 22 vezes maiores que a remuneração média dos brasileiros. O Presidente da República e os deputados federais ganham 21 vezes o salário médio da população do país. Enquanto políticos receberam remunerações de R$ 44 mil no ano passado, a renda domiciliar per capita, conceito diferente do rendimento médio do trabalho, foi de R$ 2.069, segundo o IBGE (PNAD Contínua). O estudo, revelado pela FSP considera dados de 2024, quando o teto se situava em R$ 44 mil.

No caso dos juízes federais, o rendimento bruto no ano passado se situava entre R$ 35,8 mil para os substitutos e R$ 39,7 mil para os desembargadores, conforme definição do Conselho da Justiça Federal (CJF). O valor não considera adicionais, como as verbas indenizatórias, entre outras, que podem elevar os vencimentos acima do teto. No ano passado, a renda média dos magistrados foi de R$ 48,6 mil, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Com isso, os juízes recebem, em média, 23,5 vezes o salário da população.

Por sua vez, segundo a FSP, ministros do STF, do TSE e do STJ recebem cerca de 22 vezes o salário dos brasileiros. A diferença também é maior do que na Argentina e no Reino Unido, onde o salário dos membros da Suprema Corte é 11 vezes superior à renda média da população. Em países como Suíça e Alemanha, os vencimentos são 6 vezes maiores.

O estudo não considera salários recebidos por servidores concursados ou comissionados no Executivo Federal. Nesses casos, as diferenças podem ser ainda maiores levando em conta as carreiras mais bem remuneradas: advogados da União, policiais federais, auditores fiscais, entre outros.

As diferenças de rendimento do trabalho evidenciam uma sociedade profundamente desigual onde o estado brasileiro revela-se um ator expressivo. Em vez de conceber políticas para reduzir as desigualdades baseadas no princípio da igualdade de oportunidades, atua como importante protagonista na geração de iniquidades.

Jorge Jatobá, doutor em Economia, professor titular da UFPE, ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE, sócio da CEPLAN-Consultoria Econômica e Planejamento

 

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