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Gustavo Krause: Filhas e filhos da COP30

A rigor, a sustentabilidade não se limita a um atributo ou a um tipo de desenvolvimento. Vai muito além. É um projeto de sociedade

Por GUSTAVO KRAUSE Publicado em 12/10/2025 às 6:10

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A questão ambiental entrou na agenda global a partir da Conferência Sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, 1972. Encomendado pelo Clube de Roma (Think Tank, criado em 1968) ao MIT, o relatório Meadows (liderado pelo cientista Dennis Meadows), posteriormente publicado sob o título os Limites do Crescimento, tornou-se um alerta científico sobre o modelo de sociedade industrial que, ao transpor limites ecológicos, levaria ao inevitável esgotamento dos recursos naturais. Antecipou, desta forma, a finitude da natureza como suporte de crescimento econômico a qualquer custo.

Em paralelo, a mobilização global promovida pela ONU (113 países e centenas de Organizações Não-Governamentais) sobre o meio ambiente humano cuidou de debater e fortalecer instâncias políticas e institucionais de modo a enfrentar a condenação ao desastre ambiental. Dela resultou a declaração final com 8 metas e 26 princípios que mantém uma impressionante atualidade. Em dezembro de 1972, a ONU criou o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).

O alerta provocou forte reação por parte dos países pobres e emergentes, diante a imposição de limites ao crescimento econômico como forma de preservar o meio ambiente, fato que abriu caminho para a defesa da conservação dos recursos naturais e resultou no conceito de desenvolvimento sustentável, definido pelo Relatório Bruntland (Primeira-Ministra da Noruega): como o “(...) desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades”.

A rigor, a sustentabilidade não se limita a um atributo ou a um tipo de desenvolvimento. Vai muito além. É um projeto de sociedade. É um divisor de águas que opera transformações profundas numa ordem em crise e assume a força fundadora e instauradora de uma nova ordem. Não se afirma como resultado. É concebida como um processo.

Além de fundador, a sustentabilidade é um conceito que integra e unifica. Passa longe da “ideologia do crescimento”. É uma proposta que sustenta; mantém o equilíbrio; celebra a unidade Homem/Natureza na origem e no destino comum em substituição à visão corrente do homem afastado do mundo natural como seu senhor e dominador. Até mesmo o pai do decrescimento, Serge Latouche, qualifica o decrescimento como “sereno e sustentável”.

Com pouco mais de meio século da Conferência de Estocolmo, que avaliação pode ser feita sobre a questão ambiental? O senso de urgência e o volume dos recursos financeiros estão aquém do desafio de viabilizar as mudanças estratégicas. Tampouco, é obedecido nos acordos internacionais o princípio da “responsabilidade comum, porém diferenciada”.

Entretanto, a despeito dos negacionistas de plantão e a força do poder econômico predador, merecem destaques os avanços em relação ao vigor político da sociedade civil; a crescente percepção entre os agentes econômicos de que é uma vantagem competitiva cuidar do meio ambiente; e uma consciência ambiental exemplar entre os jovens.

Neste sentido, a Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, contou com a presença de 114 chefes de Estado, 140 mil militantes e 3.200 ONGs). Deixou um legado extremamente positivo: A Agenda 21, A Carta da Terra (27 princípios), Convenção sobre o Combate à Desertificação; Convenção sobre Diversidade Biológica; Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática; Declaração de Princípios sobre Uso de Florestas.

A partir de 1995, em Berlim, foi realizada a primeira COP, Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (198 países), criada como órgão responsável por tomar as decisões necessárias para implementar os compromissos assumidos pelos países no combate à mudança do clima.

Entre sucessos e frustrações, merece destaque a COP3, em Kyoto, apesar da retirada dos EUA, em 2001, foi a primeira tentativa para impor metas obrigatórias de redução de emissões para os países desenvolvidos. Não foi em vão. Na COP21, em 2015, foi firmado o Acordo de Paris, tendo atualmente 194 países e a União Europeia como signatários (os EUA formalizarão a saída do pacto em 2026). Alcançar a meta (aumento de temperatura a 1,5º C e metas de redução voluntárias denominadas Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDCs) é uma desafiadora corrida contra o tempo.

Nesta corrida, a COP30 chega ao Brasil. No coração da Amazônia. Para além do simbolismo, da expectativa sobre efeitos concretos, o recorte temporal – 30 anos – revela a enorme ampliação da consciência ambiental. São filhas, filhos e vozes das “gerações futuras”, credoras de um mundo melhor. Desde crianças, pensam e agem em comunhão com a natureza.

A verdade é que a juventude está escrevendo uma nova história. Para desgosto dos negacionistas, o ativismo precoce e destemido da sueca Greta Thunberg (a partir dos oito anos) fez dela uma das pessoas mais influentes do mundo (pessoa do ano, revista Time, 2019).

No Brasil, a pesquisa Juventudes, Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (JUMA, 2022/2023, 5.150 respondentes entre 16 e 29 anos), promovida por quatro instituições parceiras e um Grupo de Trabalho de Juventudes – Uma Concertação pela Amazônia, é um trabalho notável com participantes de todos os biomas brasileiros, sintetizado na frase “O Planeta não pode esperar”.

A partir de um olhar atento e uma escuta ampla, a conclusão é que a natureza importa para juventude brasileira. Cada vez mais cedo. A pauta ambiental, assevera, é um assunto de todos. Percebem que estamos vivendo uma crise climática. Acreditam que a educação ambiental e as práticas cotidianas são fundamentais para a preservação ambiental. São preocupações transversais, ou seja, atingem a todas as classes sociais, em maior escala, os mais vulneráveis.

Aos dez anos, Júlia Duarte, criadora do Projeto Pequenos Protetores do Planeta, envia uma mensagem realista: “Nós, crianças, somos a ‘geração restauração’ e a última esperança”.

Gustavo Krause é ex-governador de Pernambuco

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