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Hegseth: duelando em Quantico

Embora envolva Forças Armadas de um outro país, com distinta cultura e tradição, entendo ser cabível comentar a reunião para colhermos ensinamentos

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 11/10/2025 às 6:00

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A reunião do Secretário da Guerra dos Estados Unidos, Pete Hegseth, com mais de 800 generais das Forças Armadas daquele país, por afrontar o princípio de respeito institucional entre o poder civil e o poder militar, será lembrada por muitos anos.

Embora envolva Forças Armadas de um outro país, com distinta cultura e tradição, entendo ser cabível comentar a reunião, a fim de que colhamos ensinamentos a serem desfrutados por nosso corpo de militares, por nossas lideranças políticas e nossa sociedade brasileira, ambas alheias à temática segurança e defesa.
Na década de 1950, o cientista político Samuel Huntington escreveu o icônico tratado: O SOLDADO E O ESTADO – TEORIA E POLÍTICA DAS RELAÇOES ENTRE CIVIS E MILITARES.

Desde então, as relações entre os civis e os militares são regidas por um conjunto de preceitos éticos e morais que as protegem de personalismos extravagantes, enquanto fortalece o papel de cada um desses polos para benefício da sociedade.

Em resumo, o poder civil tem preponderância sobre o militar na medida em que tem o respaldo do voto popular.

O poder militar assume esse postulado cumprindo o papel de assessorar na escolha das linhas de ação postas à mesa, requisitar meios para aparelhar-se no cumprimento de suas missões e executar a decisão política eleita pela chefia suprema.

Contudo, essa ascendência do civil sobre o militar está condicionada à manutenção de atitudes respeitosas e reconhecimento genuíno do papel que homens e mulheres fardados exercem para a segurança do Estado.
Os atores responsáveis por direcionar as orientações que envolvam a aplicação do poder militar em um Estado, na maioria dos países democráticos, são o Comandante em Chefe, o Ministro (Secretário) da Defesa, o Chefe do Estado-Maior Conjunto e os Comandantes de cada Força.

Essas estruturas podem ser um pouco diferentes, conforme as características históricas de cada sociedade.
Huntington, também estudioso da psicologia que envolve o poder, dedica-se no capítulo ESTRUTURA MINISTERIAL DAS RELAÇOES ENTRE CIVIS E MILITARES a comentar seu entendimento de como deve portar-se a autoridade responsável pela repartição da defesa: “Primordialmente, é ainda o homem que faz o cargo, e não cargo que faz o homem.”

Hegseth parecia duelar em ruas do velho oeste, ao anunciar suas diretivas a uma plateia de experientes soldados, homens e mulheres, que educada e estoicamente os ouvia, sem sequer franzir o cenho.
Causou polêmica ao anunciar o fim do “Departamento de Defesa” e o retorno do “Departamento de Guerra”. A fala foi vista como um retrocesso ideológico.

Atacou ainda o que chamou de “cultura woke” e prometeu eliminar “ideologias tóxicas”. Entre as medidas anunciadas estão a revisão das políticas de inclusão, o fim das diferenças de gênero nos testes físicos, o banimento de barbas e a redução de programas de diversidade e assédio.

Não há evidências de que tais supostos pecados — caso existam — estejam presentes em mais do que uma pequena parcela dos integrantes daquelas forças, nem de que tenham comprometido a eficácia dos militares americanos nos conflitos recentes em que foram empregados por decisão do poder civil.

Voltando a Huntington, quando o poder civil tenta moldar o pensamento militar em função de agendas ideológicas e partidárias destrói o profissionalismo e cria ressentimentos.

Na relação civil-militar, há dois imperativos identificados pelo professor que devem equilibrar-se:
- o imperativo social, já que o militar consciente do mandatório controle civil não se envolverá nas arengas da arena política; e - o imperativo funcional, pelo qual o poder civil dará liberdade operacional aos militares para eficaz cumprimento da missão de combate.

A tensão entre esses polos requer da autoridade não fardada e hierarquicamente superior: discrição no agir, respeito político das lideranças nacionais, respeito genuíno de seus subordinados, reconhecimento da sociedade, algum conhecimento técnico e equilíbrio emocional nas relações interpessoais.
Será que o Secretário da Guerra, naquele discurso, demonstrou incorporar esses imperativos e atributos?

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

 
 
 
 
 

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