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Uma história feita de sangue

Poucos vão lembrar de quantos brasileiros mais humildes. portadores de "doenças do sangue", recebem hoje, gratuitamente, os medicamentos da Hemobras

Por IVANILDO SAMPAIO Publicado em 05/10/2025 às 0:00 | Atualizado em 06/10/2025 às 10:37

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Numa solenidade festiva, com políticos de todas as cores e para todos os credos, o presidente Luis Inácio Lula da Silva inaugurou, em agosto passado, a Hemobrás, localizada às margens da BR-101, entre as cidades do Recife e Goiana. Trata-se de um projeto que se arrastava ao longo dos anos, que teve suas obras paralisadas mais de uma vez, que esteve ameaçado de, como projeto, ser realocado para um Estado do Sul, através de um deputado bolsonarista e aproveitador, que felizmente não obteve êxito: o projeto, mesmo paralisado, continuou em Pernambuco. Aos trancos e barrancos, foi finalmente concluído.

Não estive presente - nem deveria estar - mas acompanhei, pela imprensa, os festejos, os discursos, as palmas e salamaleques de louvação para a Hemobrás, que além de fabricar medicamentos de alta relevância para "doenças do sangue", como hemofilia, por exemplo, será também um centro de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos, buscando atender, principalmente, pacientes do Sistema Único de Saúde. Alguns medicamentos podem ser usados também no tratamento d e queimaduras graves

Dos vários oradores que se aproveitaram do momento para discursar no evento, nenhum deles, em nenhum momento, teve a dignidade de sequer lembrar o nome de dois pernambucanos, que tiveram um papel relevante no projeto e na construção da obra: Guilherme Robalinho e Rômulo Maciel Filho, especialmente este último, injustamente acusado pelo ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e hoje senador pelo Paraná, Sérgio Moro, o confidente da ex-deputada Carla Zambelli, condenada e foragida da Justiça, hoje presa na Itália. Os danos praticados contra o país por Sérgio Moro ainda terão efeito por vários anos. Digo isso agora porque sempre critiquei a "República do Paraná", mesmo quando era servilmente elogiada.

Composta por Sergio Morto, Dalanghol e outros "justiceiros" da mesma estirpe, eles puniam as empresas e não os empresários, se merecessem punição, deixando milhares de trabalhadores sem emprego e sem futuro. Moro acabou também com a experiência e o know-hall de vários ramos da engenharia de campono Brasil, conquistdo ao longo de muitos anos de experiência. Sérgio Moro ganhou com prêmio um Ministério no Governo de Jair Bolsonaro. E no auge da pandemia, quando morreram mais de 600 mil brasileiros, nunca se ouviu do juiz justiceiro uma única palavra contra a leniência do Governo e a campanha contra a vacina, que poderia ter salvado a vída de grande parte desses desafortunados.

Mas, voltemos à Hemobrás.  Quando aceitou assumir a presidência da empresa - ou do projeto - Rômulo Maciel Filho encontrou uma construção inacabada às margens da BR-101, algumas vezes ameaçada de invasão, sem recursos no Orçamento que garantissem sua continuidade. Bom lembrar que Rômulo não precisava de emprego. Economista com pós-graduação em Planejamento e Gestão de Saúde pela Leeds Metropolitan University; doutorado pelo Instituto de Medicina Social pela UERJ, larga experiência como gestor de serviços em vários setores da Fiocruz e do próprio Ministério da Saúde, alem muitos outros cargos de chefia e relevância, Rômulo aceitou o convite que lhe foi feito para tocar o projeto da Hemobrás, primeiro por ser pernambucano - e depois, porque acreditava na sua viabilidade.

Isso, ele me disse mais de uma vez, quando, como jornalista, questionei sobre o futuro de uma obra inacabada, num Estado onde o Executivo não se alinhava com o Governo Federal, que não despertava a simpatia dos políticos, já que não rendia votos. Ele, didaticamente, sempre repetiu, com segurança, que o projeto era viável , que havia consolidado uma parceria com o Instituto Francês de Biotecnologia, "dono" da tecnologia mais avançada do mundo no processo de fraccionamento do sangue, através do qual se viabilizam os processos mais sofisticados na produção de medicamentos.

Para validar essa parceria com a Hemobrás, foi preciso o aval do Governo francês, sob os protestos de uma passeata estudantil, que se colocava contra essa transferência de tecnologia. Sobre essa passeata, ninguém me contou - eu vi, junto com mais uns poucos jornalistas brasileiros, presentes em Paris para testemunhar a assinatura do acordo para aquela transferência, de tão grande relevância para o Brasil.

Mas, se lutava lá fora em busca de novas tecnologias, cá, no Brasil, Rômulo Maciel fazia parcerias com diversos Estados, do Norte e do Sul, garantindo futuros estoques de sangue, a "matéria-prima" da Hemobras. para viabilizar o seu funcionamento. Até aparecer Sérgio Moro, "o bruxo", acusando-o de desvios "na compra" de sangue, como se sangue estivesse à venda, e outras irregularidades jamais comprovadas.

No dia em que a televisão o expôs para o Brasil inteiro, Rômulo me telefonou transtornado. Foi acusado de jogar "dinheiro vivo" pela janela do edifício onde morava, residência, também, de vários imigrantes chineses, muito mais acostumados a fugir da fiscalização tributária e da polícia de imigração. Rômulo se sentiu só e abandonado. Perdeu o emprego e a saúde - mas não a amizade dos que o conheciam e sabiam de sua integridade.

Poucos dias antes de sua morte - ocorrida em Portugal - traído por um coração que não suportou tantas iniquidades, encontrei, pela última vez, com Rômulo Maciel. Contou que estava lutando na Justiça para provar sua inocência, e que seu grande problema, naqueles dias, era não ter recursos para pagar os honorários do advogado que cuidava de sua defesa. (Cadê o dinheiro que Sérgio Moro o acusou de ter recebido ilegalmente?). Menos de um mês depois, recebi a notícia de sua morte.

Poucos vão lembrar de quantos brasileiros mais humildes. portadores de "doenças do  sangue", recebem hoje, gratuitamente, os medicamentos produzidos pela Hemobrás. Que está lá, no mesmo lugar para onde foi planejada desde o inícío de sua construção, sonhada e incentivada pelo médico pernambucano Guilherme Robalinho. Ele, assim como Rômulo Maciel Filho, sequer foram citados pelos "discurseiros" presentes na festa de inauguração da Hemobrás. Que vai continuar servindo ao país, enquanto os oportunistas de palanque sumirão na poeira da história

Ivanildo Sampaio,  jornalista

 

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