Janguiê Diniz: Expansão dos cursos de Medicina e a necessária isonomia regulatória
Se o objetivo é formar mais médicos para atender à demanda do país, todas as instituições privadas devem ser submetidas às mesmas condições

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Isonomia. Derivado do grego (isonomía), o termo é composto por "isos" (igual) e "nomos" (lei). Nos últimos tempos, essa palavra simples, mas repleta de significado e relevância, entrou no centro de um debate fundamental para a sociedade brasileira: a formação médica.
Com o sistema do Ministério da Educação (MEC) travado desde 2013 para a solicitação de novos cursos de Medicina, essas autorizações estão restritas aos editais do Programa Mais Médicos (Lei nº 12.871/2013), publicados sem periodicidade e marcados por atrasos recorrentes na efetivação (ou, em algumas situações pontuais, resultantes de processos de judicialização).
Esse mecanismo tem sido responsável por adiar a ampliação de cursos na área, inclusive por instituições de educação superior plenamente capazes de ofertar graduações de alta qualidade e com recursos inovadores.
Embora esse nunca tenha sido o cenário ideal, até há pouco tempo havia um fator sobre o qual ninguém poderia questionar: isonomia. Os entraves e as dificuldades eram os mesmos para toda e qualquer instituição privada de educação superior do país. Eram. Não são mais.
As condições começaram a mudar com a publicação do Edital MEC nº 5/2024, voltado para credenciar hospitais como instituições educacionais qualificadas para ofertar cursos de saúde, inclusive Medicina. Em setembro deste ano, o Edital MEC nº 15/2025 incluiu as instituições comunitárias de educação superior no chamamento dos hospitais, para os quais não são impostas as mesmas regras duras do edital vigente para as demais mantenedoras privadas, a saber, o Edital MEC nº 1/2023 (Edital do Mais Médicos) e a Portaria Seres/MEC nº 531/2023 (Padrão decisório para cumprimento da ADC n.º 81).
Embora essa decisão abra caminho para ampliar a presença de médicos em regiões carentes e reforce a vocação social das instituições comunitárias, ela também escancara uma contradição regulatória: ao criar regras específicas e menos rigorosas para uma parcela do setor privado de educação superior, deixa de lado o princípio fundamental da isonomia que deveria pautar todas as políticas públicas.
O déficit de médicos é um problema crônico no Brasil. Basta percorrer postos de saúde, UPAs e hospitais para constatar que a escassez de profissionais é um desafio nacional. Nesse contexto, toda iniciativa que aumente a oferta de vagas em Medicina é positiva. Contudo, é imprescindível que essa expansão ocorra dentro de critérios justos e transparentes.
O que se observa hoje é um ambiente de desigualdade regulatória. Enquanto quase todas as 2.244 instituições privadas de educação superior do país estão submetidas a exigências duríssimas, como comprovação de cinco leitos do SUS por vaga aberta, disponibilidade mínima de médicos por mil habitantes, contrapartidas financeiras e percentuais vinculados ao sistema de saúde, os hospitais e as poucas mantenedoras comunitárias precisam atender a requisitos bem mais brandos.
Por exemplo, não precisam comprovar de imediato a existência de todos os programas de residência médica, podendo implementá-los em até seis anos. Da mesma forma, a regra dos cinco leitos por vaga não lhes é aplicada com o mesmo rigor. Além disso, os hospitais e as comunitárias poderão criar até 100 vagas, enquanto as demais instituições privadas são submetidas ao limite de 60 vagas. Ou seja, criou-se um regime especial, que flexibiliza critérios sem que se tenha demonstrado a razão técnica ou jurídica para tal.
Reforço que o questionamento não reside na abertura do edital para as mantenedoras comunitárias, mas na lógica de oferecer a elas e aos hospitais condições especiais que não são estendidas às demais instituições privadas. Isso gera desequilíbrio competitivo e fere o princípio da igualdade de tratamento, especialmente em um processo de autorização que é sabidamente disputado e de alto prestígio acadêmico.
Outro ponto preocupante consiste no distanciamento em relação ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), Lei nº 10.861/2004. O Brasil possui um arcabouço regulatório robusto, com instrumentos de avaliação capazes de aferir a qualidade de qualquer curso. Ao criar barreiras para a oferta de Medicina e abrir exceções para algumas instituições, o governo enfraquece a credibilidade do sistema e judicializa um tema que poderia ser conduzido dentro da normalidade regulatória.
É nesse ponto que a defesa da isonomia se impõe. Se o objetivo é formar mais médicos para atender à demanda do país, todas as instituições privadas devem ser submetidas às mesmas condições. Não há justificativa para privilegiar um grupo em detrimento de outro. O que se precisa é de regras claras, coerentes e aplicáveis a todos, que permitam aumentar o número de cursos e vagas sem abrir mão da qualidade.
Isonomia. Em bom português, significa condições de igualdade perante a lei, garantindo que toda pessoa física ou jurídica seja tratada de modo equivalente e sem discriminação. Trata-se de um fator essencial para a democracia ao promover justiça e equidade. O país precisa de critérios que garantam a ampliação de cursos e vagas de Medicina de forma justa, transparente e isonômica. Somente assim teremos uma expansão sustentável, equilibrada e verdadeiramente comprometida com o interesse público.
Janguiê Diniz, diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), secretário-executivo do Brasil Educação - Fórum Brasileiro da Educação Particular, fundador e controlador do grupo Ser Educacional, e presidente do Instituto Êxito de Empreendedorismo.