Justiça Federal suspende edital de Medicina da UFPE para assentados da reforma agrária
Suspensão atendeu ação popular do vereador do Recife Tadeu Calheiros; UFPE afirmou que vai recorrer da decisão, em todas as instâncias

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Após ações judiciais e pressão política, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) decidiu suspender o edital para o processo seletivo do curso de Medicina do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que seria ofertado pelo campus Caruaru da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A suspensão atendeu uma ação popular do vereador do Recife e médico Tadeu Calheiros (MDB).
Desde a última semana, a iniciativa tem sido alvo de críticas e questionamentos de políticos, como o deputado federal e ex-ministro da Educação Mendonça Filho (UB) e o vereador do Recife Thiago Medina (PL), e entidades médicas, como o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe), a Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), Associação Médica de Pernambuco (AMPE) e Academia Pernambucana de Medicina (APM).
Na liminar, o juiz Ubiratan de Couto Maurício entendeu que a disputa das vagas através de ações afirmativas ou ampla concorrência é permitido pela Lei nº 12.711, mas “fazê-lo sem fundamento em lei ordinária é ilegal por agredir a isonomia”.
O juiz destacou, ainda, que a seleção violaria o devido processo legalmente previsto para o acesso ao ensino superior e destacou que a instituição estaria admitindo “que tal turma de 80 futuros médicos necessita saber menos para aprender medicina do que todos os médicos por ela formados no curso de sua história como respeitada instituição de ensino”.
Para Ubiratan de Couto Maurício, em sua liminar, a postura da instituição se caracterizaria como “depreciativa dos próprios possíveis beneficiados em relação aos demais estudantes de medicina, da própria UFPE e, o que é mais grave, do conhecimento médico em si”.
Através das redes sociais, o vereador Tadeu Calheiros destacou não ser contra políticas afirmativas e afirmou que o edital “feria o princípio da isonomia e estabelecia privilégios indevidos no acesso à universidade”.
Ele afirmou, ainda, que seu posicionamento está em consonância com o das entidades médicas, como a Federação Médica Brasileira (FMB), “que também defendem transparência e justiça no ingresso à Medicina”.
“Essa decisão reforça a necessidade de que qualquer medida seja adotada com equilíbrio e dentro do princípio da igualdade de oportunidades”, celebrou Calheiros.
UFPE vai recorrer em todas as instâncias
A Universidade Federal de Pernambuco afirmou ao JC que vai recorrer da decisão, em todas as instâncias.
À coluna Enem e Educação, a instituição reforçou que a proposta de criação de uma turma extra de graduação em Medicina seria ofertada através de vagas supranumerárias, tendo sido aprovada pelo Conselho Superior da UFPE, por meio da Resolução nº 1 de 29 de julho de 2025.
“É fundamental ressaltar que essas vagas são específicas de uma Turma Extra que foi criada exclusivamente para esse fim, dentro da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial prevista no Artigo 207 da Constituição federal e não afetam as vagas já oferecidas regularmente pela UFPE por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). A criação desta turma especial não interfere na distribuição regular de vagas da universidade que já existe fluxo de funcionamento definido na instituição via SISU”, disse a UFPE.
A Universidade também citou o Art. 53 da Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), que assegura que as universidades podem “I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior; II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; IV - fixar o número de vagas oferecidas em cada curso, conforme a capacidade institucional”.
“Assim, a LDB reforça a autonomia universitária para definir o número de vagas, incluindo a abertura de vagas supranumerárias, especialmente quando destinadas a políticas públicas específicas. Ainda, o MEC, por meio de notas técnicas e pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), também reconhece a legitimidade da criação de vagas supranumerárias, especialmente quando associadas a políticas afirmativas e inclusão social”, explicou.
Na manifestação ao Poder Judiciário, a instituição defendeu, ainda, que a vinculação do processo seletivo ao Pronera visa a “redução das desigualdades sociais e promoção da educação do campo, caracterizando ação afirmativa legítima, nos moldes já reconhecidos pelo STF”.
O que diz o edital
A iniciativa do Pronera é inédita no país e é resultado de uma parceria entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a UFPE. Ao todo, o edital da universidade ofertaria 80 vagas: 40 para ampla concorrência e outras 40 destinadas a candidatos que se enquadram nas modalidades de ações afirmativas (cotas).
As aulas aconteceriam presencialmente no Centro Acadêmico do Agreste da UFPE – Campus Caruaru, com início previsto para o próximo dia 20.
Segundo o certame, poderiam se candidatar assentados da reforma agrária e integrantes de famílias beneficiárias do Crédito Fundiário; educandos egressos de cursos promovidos pelo Incra; educadores que atuam junto às famílias beneficiárias; acampados cadastrados pelo instituto e pessoas quilombolas.
Para o Incra, a criação da turma especial tem como objetivo fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento à população das áreas rurais — um desafio em diversas regiões do país.
A oferta de vagas específicas para os assentados da reforma agrária é um dos pleitos reivindicados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – mas as oportunidades não são destinadas exclusivamente para os membros do movimento.
Além do processo seletivo para Medicina na UFPE, estão abertos outros editais de cursos apoiados pelo Pronera em todo o País, como:
- Agronomia - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Campus Caxias
- Tecnologia em Sistemas de Energias Renováveis - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB)
- Curso Técnico Subsequente em Agroecologia - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Campus Boituva
O Pronera também apoiou processos seletivos para cursos como Saúde Coletiva e da Família, Medicina Veterinária, Psicologia, Geografia, Pedagogia, Comunicação e Engenharia Sanitária e Ambiental.