Antes que seja tarde
Trump só pensa nos seus negócios imobiliários para o litoral Mediterrâneo da Faixa de Gaza. Nesta configuração política é muito difícil ser otimista.

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Talvez já seja mesmo tarde. Cento e cinquenta países reconhecem o Estado da Palestina e, recentemente, a pressão internacional contra os crimes de Netanyahu cresceu a ponto de França e Reino Unido, além da Espanha, se unirem na defesa de dois Estados autônomos na região. Dos cinco membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, apenas os Estados Unidos, do inominável Donald Trump, apoiam o governo de Israel e rejeitam a formação de um Estado palestino. Mas, pode ser muito tarde. O poderoso primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, está decidido a impedir qualquer chance de dois Estados como solução para o conflito histórico. Mais do que a sua reiterada e contundente afirmação neste sentido, Netanyahu está empenhado em destruir o povo palestino e ocupar os seus territórios. Além de esmagar a Faixa de Gaza, ele estimula a expansão da ocupação de assentados nas terras que a Autoridade Palestina ainda controla na Cisjordânia. São mais de 650 mil colonos israelenses assentados em áreas dispersas do território palestino, protegidos pelos militares e isolando algumas cidades palestinas. Como não existe Estado sem território e sem povo - a nação palestina esmagada ou expulsa - Netanyahu acabaria com qualquer possibilidade de formação de um Estado palestino. O território de Israel se estenderia, então, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo.
Infelizmente, do outro lado do conflito, a intolerância e o ódio alimentam a violência e a guerra que impedem um acordo de paz e convivência pacífica dos dois povos para retornar à decisão das Nações Unidas de 1947. O Hamas, o Hezbollah, o Irã e outros países da região não destroem o Estado de Israel porque não têm poder. E até já tentaram mais de uma vez, a primeira delas, em 1948, logo depois que as Nações Unidas dividiram o território do antigo protetorado inglês para a constituição de dois Estados autônomos. Depois de três tentativas fracassadas de destruição do Estado de Israel, os israelenses triplicaram o seu território, ocupando terras originalmente destinadas aos palestinos.
Ao longo de quase 80 anos da história recente, o conflito foi deixando um rastro de ódio e desconfiança entre palestinos e judeus, que tende a se acentuar agora com a agressão criminosa do governo de Israel na Faixa de Gaza e ampliação dos colonos na Cisjordânia. Este crime contra a humanidade desperta, por outro lado, a pressão internacional para a suspensão da invasão de Gaza pelas tropas israelenses e, mais ainda, por uma solução permanente que passa pela criação do Estado da Palestina. Antes que seja tarde. Para alguns analistas políticos, já é tarde, o que levar a se pensar na alternativa de um Estado binacional, judeus e palestinos compondo um Estado nacional com direitos iguais. Dificilmente uma solução equilibrada, considerado o predomínio dos judeus na estrutura do Estado e a diferença religiosa entre judeus e palestinos.
Para qualquer alternativa, existe uma carência dramática de liderança responsável e ousada a ponto de negociar acordos capazes de quebrar a hegemonia israelense e contornar os ressentimentos acumulados de parte a parte. Teve um momento na história recente da região que se chegou muito perto da constituição de dois Estados autônomos e independentes convivendo e colaborando: o acordo Oslo, de 1993, assinado pelo governo de Israel e a OLP-Organização para a Libertação da Palestina, quando foi criada a Autoridade Palestina e houve uma retirada gradual de israelenses dos territórios palestinos ocupados. Este acordo foi possível apenas graças uma configuração especial de lideranças responsáveis e qualificadas dos dois lados do confronto: Yasser Arafat, representando o povo palestino, e ministro das relações exteriores, Shimon Peres, e o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, pelo governo de Israel. E mais, o presidente dos Estados Unidos na época era Bill Clinton e não Donald Trump. O fanatismo latente dos dois lados impediu a implementação dos acordos assinados em Oslo, fanatismo que levou ao assassinato de Yitzhak Rabin por um terrorista judeu.
A pressão externa crescente contra a destruição de Gaza e pelo reconhecimento do Estado palestino pode se esvair no futuro imediato se o primeiro-ministro israelense avançar na destruição do povo e a ocupação do território palestinos que restam. Até porque a configuração política é muito desfavorável a qualquer entendimento, a começar pela liderança dos judeus pelo criminoso Benjamin Netanyahu e a ausência total de líderes palestinos com disposição e capacidade de negociação política. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, é muito fraco, o Hamas foi quase destruído, mas o que sobrar estará carregado de ódio e ressentimento que alimentam o terrorismo. E Trump só pensa nos seus negócios imobiliários para o litoral Mediterrâneo da Faixa de Gaza. Nesta configuração política é muito difícil ser otimista em relação ao futuro da Palestina.
Sérgio C. Buarque, economista