Como evitar o próximo ataque? O que não estamos enxergando nas escolas
Ao restringir a Educação de sua autonomia em criar um subsistema próprio de proteção, ela se torna refém da inanição gerada pelo medo da violência

Clique aqui e escute a matéria
Terça-feira, 08 de julho de 2025. 10h da manhã. Cidade de Estação-RS, na Escola Municipal Maria do Nascimento Giacomazzi. Esse foi o cenário de mais um ataque à escola concretizado por um adolescente de 16 anos, que resultou em uma vítima fatal e três feridas. No ano de 2019, em horário semelhante, na cidade de Suzano-SP, dois jovens também materializaram um cenário de terror, na Escola Estadual Professor Raul Brasil, deixando dez mortos (incluindo os agressores) e onze feridos. E outros casos mais...
Para além das razões individuais e psicológicas dos agressores, dos mecanismos de proteção das escolas ou atuação das forças de segurança pública, cabe aqui uma reflexão profunda da própria existência da violência no ambiente escolar e suas múltiplas formas de representação em nosso próprio cotidiano.
A análise da violência escolar exige o reconhecimento de que a própria violência, em si mesma, se trata de um fenômeno multifacetado, cujas causas e manifestações são diversas. Ela não se resume a agressões físicas ou a eventos espetaculares de criminalidade: permeia, de modo estrutural e cotidiano, as relações pessoais, institucionais e sociais, manifestando-se tanto em atos visíveis quanto em formas mais sutis de opressão, negligência e exclusão.
Quando ocorrida no ambiente escolar, ela pode assumir formas físicas, psicológicas, morais, autoprovocadas, institucionais ou virtuais, cada uma com dinâmicas próprias e originadas por diferentes fatores que, quando combinados, potencializam o risco de episódios concretos. O olhar multifocal permite ir além da resposta imediata a incidentes, abordando também os fatores de risco e elementos estruturais que alimentam os ciclos de violência.
Quando discutimos a violência escolar a partir da perspectiva da Segurança Pública, em seu sentido estrito – artigo 144/CF –, comprometemos a capacidade de autogestão das escolas e dos sistemas educacionais em desenvolver suas próprias estratégias de resolução relacionados a violência. Essa abordagem limita a Educação, podendo levar seus agentes a confundirem incidentes típicos do desenvolvimento infantojuvenil com questões mais graves, já tipificadas na esfera penal.
Ao restringir a Educação de sua autonomia em criar um subsistema próprio de proteção, ela se torna refém da inanição gerada pelo medo das diversas manifestações de violência, além de depender de sistemas externos que, supostamente, buscam resolver esses problemas, mas que, na verdade, acabam por se retroalimentarem da própria violência.
Refletindo segurança e educação de forma sistêmica, levando em consideração todas as estruturas existentes no ambiente escolar, percebemos que há mecanismos de proteção intrínsecos à sua estrutura e que podem ser melhor pensadas, visto que são eles primariamente capazes de mitigar as violências sistêmicas e até mesmo institucionais produzidas e refletidas na escola.
Igualmente, o tema precisa ser discutido de maneira diversificada não só com pais, adolescentes e profissionais da gestão educacional, mas também, com profissionais especialistas em uso de redes e internet, com foco na educação. A segurança pública, especificamente a inteligência policial, tem potencial contribuição no tema, visto que vários perfis e sites na internet têm por finalidade captar crianças e adolescentes no intuito de instigar a prática de violência em escolas, utilizando-se de discursos extremistas que podem produzir atos de violência extrema nos ambientes escolares em todo Brasil.
A experiência do Ministério da Justiça, por exemplo, em 2023, desencadeou uma operação de inteligência que resultou na desarticulação de vários perfis e comunidades na internet que recrutavam adolescentes e jovens para a prática de violência extrema em escolas. Em março de 2025, uma quadrilha que aliciava adolescentes para práticas de violência na internet foi desarticulada a partir de denúncias anônimas, na atuação em conjunto com a inteligência policial.
“Ninguém acorda e diz: hoje vou atacar uma escola. Esse pensamento é construído ao longo do tempo, muitas vezes durante anos. Mas os sinais aparecem”, disse um especialista em segurança e gestão de crises frente ao caso de Estação-RS. Talvez, situações como as citadas no início do texto pudessem ter sido evitadas. Talvez não. Mas a verdadeira (e eficaz) intervenção precisa acontecer no início da combustão – nos sinais comportamentais de agressores e vítimas, presenciais e/ou nas redes sociais – para que a pequena chama não se torne mais um incêndio de proporções irreversíveis.
O fenômeno da violência e os atos de agressão podem ter natureza exógena – a violência urbana que compõe o entorno das escolas pode interferir nos índices de ocorrência de episódios de violência escolar – ou endógena – onde os casos de violência são mais difíceis de serem identificados, vez que podem ser confundidos com “é brincadeira de adolescente”, ou “ele/a não está falando sério”. Em ambos os casos, a literatura alerta pela importância da identificação e registro pelas escolas, vez que há violências que não constituem necessariamente um tipo penal.
É imprescindível que as estratégias preventivas incidam sobre os fatores de risco presentes no comportamento de crianças, adolescentes e jovens. Para tanto, torna-se fundamental a ação direta, atenta e coordenada de familiares, amigos próximos e dos profissionais da escola – gestores, docentes, coordenadores e demais colaboradores –, atuando na observação, detecção precoce e intervenção diante de sinais de vulnerabilidade ou ameaça.
Michael dos Santos França, Servidor Público Federal do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco-IFPE – Tecnólogo em Segurança Pública; Bacharel, Licenciado e Especialista em Filosofia; Mestrando em Ciência Política, com ênfase em Políticas Públicas-UFPE