Adeildo Nunes: O perdão pela anistia (1)
Muitas anistias foram decretadas durante o Regime Imperial. Por ela foram beneficiados os revoltosos de Farrapos e os envolvidos na Revolução Praieira

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O instituto da anistia, sabe-se, é praticada desde os primórdios da Grécia Antiga, máxime depois dos constantes e graves acontecimentos político-sociais vivenciados em épocas remotas, como lutas brutais, atos de rebeldias e conflitos sociais internos e externos. Há quem afirme que a anistia vem sendo concedida, na história da humanidade, desde Solon, 594 anos antes da era cristã. A história conta que em Roma, Cícero conseguiu do Senado, sob a invocação de conteúdo político da conduta de alguns réus, a anistia para aqueles que tiraram a vida de Júlio Cezar. Nos Estados Unidos da América, nos governos de Lincoln e Johnson muitos dos revoltosos da Guerra de Sucessão foram anistiados.
No Brasil, muitas anistias foram decretadas durante o Regime Imperial. Por ela foram beneficiados os revoltosos de Farrapos, no Rio Grande do Sul (1840) e os envolvidos na Revolução Praieira, em Pernambuco (1849), por exemplo, cuja clemência foi estipulada por D. Pedro I, com base na Constituição de 1824, no seu exercício de Poder Moderador. Como se observa, na vigência da Constituição Brasileira de 1824, era de competência do Imperador, a prerrogativa para decretar a anistia.
Depois de proclamada a República em 1891 e até hoje, a anistia passou a ser uma atribuição exclusiva do Congresso Nacional. Em 1895, com a Lei nº 310, houve uma anistia ampla e irrestrita, beneficiando todos os revoltosos contrários à República, mas a redação conferida à lei causou enormes celeumas, daí porque, em 1916, uma nova lei foi aprovada (nº 3.178), no afã de abolir todas as dúvidas geradas com a aprovação da Lei de 1895.
Pelo Decreto nº 19.395, de 08.11.1930, foi concedida uma anistia ampla e irrestrita, abrangendo todos os crimes políticos e militares, em relação àqueles que de uma forma ou de outra tenham atuado contra a Revolução de 1930. Do Governo Provisório de 1930, até a promulgação da Constituição Federal de 1934, muitos criminosos primários que haviam praticado crimes de resistência, desacatos, lesões corporais culposas, porte ilegal de armas, vadiagem e desobediência, viram-se anistiados.
Instaurado o regime ditatorial de 1964, com a vigência da Carta Constitucional outorgada de 1967, a competência para tratar da anistia passou a depender de iniciativa do presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional. A referida Carta, porém, autorizava, ademais, que o presidente da República pudesse exercer o veto, parcial ou total, como existe no presente momento histórico.
Durante o regime militar iniciado em 1964, entretanto, foi no governo de Ernesto Geisel (1974-1978), que o Brasil passou a pugnar por uma abertura política, sendo ela complementada na presidência do General João Batista Figueiredo, que submeteu ao Congresso Nacional um projeto de lei de anistia, finalmente transformado em lei (Lei Federal nº 6.683/79), cuja regulamentação deu-se através do Decreto nº 84.143, de 31.10.1979.
Aprovada a Constituição Federal de 1988, no Ato das Disposições Transitórias, deu-se uma ampliação da anistia concedida em 1979, fazendo retroagir o perdão a 18.09.1946, data da promulgação da Constituição Federal de 1946.
Para José Paulo Cavalcanti Filho, tratando na anistia na era João Batista Figueiredo, “A anistia, entre nós, veio em dois momentos. O primeiro, com a lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, negociada entre Petrônio Portela (ministro da Justiça de Ernesto Geisel) e Raimundo Faoro (presidente da OAB Nacional). De um lado, preparando a volta de exilados como Miguel Arraes e Leonel Brizola, e protegendo condenados ou processados pela ditadura. De outro, protegendo os militares por tudo o que fizeram. Mas houve outra, depois, da qual pouco se diz. A Emenda Constitucional 26, de 27 de novembro de 1985, votada por um Congresso livre, o mesmo que elegeu Tancredo Neves” (Folha de São Paulo, 22/05/2018).
Atualmente, a concessão da anistia é matéria da competência da União (art. 21, XVIII), cabendo ao Congresso Nacional dispor e legislar sobre ela, sujeita a lei, entretanto, à sanção ou ao veto do presidente da República, como se verifica no art. 48, inciso VIII, combinado com o art. 84, incisos IV e V. De fato, a anistia não está incluída entre as atribuições “exclusivas” do Congresso Nacional (não sujeitas a sanção ou veto do presidente da República). Houve, ao que tudo indica, um equívoco ou um cochilo do constituinte, na redação final. Infere-se o descuido do exame do conjunto do texto. Basta atentar para o pensamento dominante, que se vislumbra da leitura integral do projeto. Marchavam os seus autores para a implantação de um regime parlamentarista de governo, o que se chocava com o poder conferido ao presidente da República, em detrimento da autoridade de um primeiro-ministro que encarnava a figura de Chefe do Governo.
Na próxima semana voltaremos ao assunto.
Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, advogado criminalista do escritório Frutuoso Advocacia, professor da pós-graduação em Ciências Criminais do Instituto dos Magistrados do Nordeste.