Adeildo Nunes: As penas e o sistema progressivo brasileiro
A lei, e somente ela, tem o condão de definir todas as condutas criminosas e as penas que podem ser aplicadas num caso concreto; leia

Clique aqui e escute a matéria
Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX, Constituição Federal de 1988 e art. 1º, Código Penal de 1940). Trata-se, em Direito Penal, do princípio da anterioridade, que faz parte de quase todas as legislações do mundo. Como se nota, o princípio da anterioridade significa que ninguém poderá ser punido, no Brasil, por crime não previsto em lei aprovada anteriormente ao fato delituoso.
A grande maioria dos ilícitos penais e as suas penas correspondentes estão contidas no nosso Código Penal, mas existe um número acentuado de normas penais esparsas, isto é, crimes e penas que não estão previstos no Código Penal de 1940, uma técnica legislativa que de há muito é criticada pela doutrina penalista, ademais, nesse sentido, todos os crimes e penas deveriam fazer parte do corpo do nosso Código Penal.
A lei, e somente ela, tem o condão de definir todas as condutas criminosas e as penas que podem ser aplicadas num caso concreto.
Constituição
Pela Constituição de 1988, somente as penas privativas ou restritivas da liberdade, a perda de bens, a multa, a prestação social alternativa e a suspensão ou interdição de direitos podem ser fixadas pelo juiz criminal, até porque o Brasil – na vigência do Texto de 1988 – não tem autorização constitucional para legislar e aprovar emendas constitucionais ou leis que estabeleçam qualquer forma de punição cruel (pena de morte, de caráter perpétuo, trabalhos forçados e de banimento).
Para a introdução de penas cruéis, no Brasil, somente com a aprovação de uma nova Constituição, o que ninguém espera que aconteça a curto, médio ou a longo prazo. A mesma Carta Constitucional de 1988, também proíbe, expressamente, qualquer proposta de emenda ao seu Texto, tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto e secreto, a separação dos Poderes da República e os direitos e garantias individuais, que estão definidos em seu art. 5º.
Lei de Execução Penal (LEP)
Com a grande reforma realizada na Parte Geral do Código Penal, em 1984, pela primeira vez na história legislativa brasileira, deu-se a introdução do sistema progressivo durante o cumprimento da pena privativa de liberdade, criando os regimes prisionais (fechado, semiaberto e aberto), ao tempo em que a Lei de Execução Penal (LEP), também de 1984, ditou regras gerais sobre a progressão de regime prisional, autorizando a transferência do condenado, de um regime mais rígido, para o imediatamente menos rigoroso, mediante ordem judicial.
Quando A LEP entrou em vigor, para a obtenção da progressão de regime, o apenado deveria comprovar haver cumprido 16% do total da pena, ter bom comportamento carcerário, desde que o exame criminológico atestasse a existência de outras condições pessoais e mentais do condenado. Em 2006 o exame criminológico deixou de ser requisito para a obtenção da progressão de regime, retornando a exigência com o advento da Lei Federal nº 14.843/2024.
Em 1990, a Lei Federal 8.072 proibiu a concessão da progressão para aqueles que tivessem praticado crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura ou terrorismo. Em novembro de 2017, por maioria de votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da proibição, fazendo retornar a progressão para todos os condenados, cumpridos 16% da pena e apresentasse bom comportamento na prisão.
Com a aprovação da Lei Federal nº 11.464/2007, exclusivamente para os crimes hediondos e equiparados, restou fixada a necessidade de o condenado haver cumprido 40% da pena, se não reincidente, e 60% em relação aos reincidentes.
Lei Anticrime
A Lei Federal nº 13.964, de 2019, a denominada Lei Anticrime, atualmente em vigor, manteve a necessidade de o condenado cumprir 16% da pena, para progredir de regime, se o apenado for primário e o crime houver sido cometido sem o uso de violência ou grave ameaça. Por outro lado, a mesma Lei Anticrime também estipulou que para os crimes praticados com violência ou grave ameaça, a progressão só pode ser concedida para os que tenham cumprido 25% da sanção penal.
Condenado recentemente a 27 anos e 3 meses de prisão, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente Jair Bolsonaro, punido pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito a uma pena de 6 anos e 6 meses de reclusão, utilizando de violência e grave ameaça, para obter a progressão de regime, portanto, terá que cumprir, no regime fechado, pelo menos 25% da pena.
Como a punição para os demais delitos (organização criminosa, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado) não exigem a violência ou grave ameaça, a progressão de regime, do fechado para o semiaberto, para esses crimes, exigirá o cumprimento de 16% do total das penas, satisfeitos os demais requisitos estabelecidos na Lei de Execução Penal.
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito, professor, advogado criminalista do escritório Frutuoso Advocacia, membro efetivo do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)