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O SUS e o bode no país de Caruaru

Fui a Caruaru, Hospital Mestre Vitalino, lotado como todo hospital público, mas realizando cirurgias cardíacas diariamente ...........................

Por SÉRGIO GONDIM Publicado em 12/09/2025 às 0:00 | Atualizado em 13/09/2025 às 9:53

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E ainda tem gente que só sabe criticar o SUS, um dos programas de maior impacto do país e do mundo. Claro que muitas críticas têm razão, principalmente aos desacertos de gestão Brasil a fora, mas a essência é grandiosa e merece o apoio de todos os poderes e da opinião pública. Vestir a camisa do SUS e defender sua bandeira é um dever de todo brasileiro e não será com ataques, piadas e tentativas de desmoralizá-lo que irá melhorar.

Fui a Caruaru, Hospital Mestre Vitalino, lotado como todo hospital público, mas realizando cirurgias cardíacas diariamente, dialisando um número impressionante de pacientes, acolhendo portadores de câncer de toda a região, diagnosticando e tratando casos clínicos complexos. Para isso conta com equipe voltada para resolver os problemas a despeito das dificuldades e limitações estruturais do nosso sistema público de saúde.

Certamente se colocasse uma lupa, deficiências saltariam aos olhos, mas percebi satisfação e motivação para qualificar o atendimento.

A visita, a convite da Clínica Médica e seu programa de residência, teve como objetivo debater Dor crônica, uma condição clínica comum, difícil de entender e consequentemente difícil de tratar. A literatura médica se esforça para explicar com clareza os fundamentos do problema e a ideia levada para reunião em Caruaru foi mostrar que, para sentir a dor do paciente de perto, mais do que os textos de medicina, mais do que a Inteligência Artificial, nós médicos deveríamos consultar os poetas. Estes sim entendem e explicam a dor com profundidade. Se depender de um texto frio, técnico e impessoal, focado no bico de papagaio ou no desgaste do tendão, a dor entra e nunca mais sai.

Cada citação técnica da literatura médica foi confrontada com os "conceitos" de Drummond ("Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais"), Fernando Pessoa ("se a alma não é pequena...tem que passar além da dor"), Petrúcio Amorim ("Mas o meu coração, de tanta ilusão, me mata de dor, ainda bate, reclama, pedindo a chama do meu ex-amor"), Quintana ("nossos calos doem muito mais"), Vinícius ("Dize à dor, que me espera eternamente, para ir embora. Expulsa a angústia imensa do meu ser"), Patativa do Assaré ("Eu não invejo riqueza, nem posição, nem grandeza, nem a vida de fineza do povo da capitá"), Marisa Monte ("Se ela preferiu ficar sozinha ou se já tem outro bem, se ela me deixou, a dor é minha, é o meu lençol, é o cobertor, é o meu troféu, é o que restou"), Nelson Cavaquinho ("Volta, que ninho desfeito é uma casa onde mora a dor"), Caetano Veloso ("Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é"), Cartola ("Então podes ir, mas vai na certeza que fica uma dor, que fica saudade e um resto de amor"), Martha Medeiros ("Dói morder a língua, dói, cólica, cárie e pedra no rim, mas o que mais dói é a saudade"), Chaplin ("Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito pra ser insignificante"), Renato Russo ("Cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição"), J Quest ("Vivemos esperando dias melhores, dias de paz, dias a mais. Melhores no amor. Melhores na dor") e tantos outros. Os poetas são mais claros e oferecem recursos aos médicos e pacientes para combater a dor crônica, em toda sua complexidade. É verdade que espremendo a poesia muitas vezes sai sangue, mas também leveza e esperança, essenciais à vida.

Uma satisfação perceber o compromisso da equipe e o fortalecimento da Residência Médica do Mestre Vitalino. Com alicerce sólido, fincado nos fundamentos, no humanismo, solidariedade e rigor técnico, Caruaru vai continuar alargando os horizontes e formando bons especialistas em Clínica Médica.

Sem deixar de registrar que o bode assado servido pelos Drs. Osmundo Bezerra e Ana foi especial.

Viva o SUS, a Residência Médica e o bode de Caruaru.

Sérgio Gondim, médico

 

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