A nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo: por um Recife mais justo e sustentável
Longe de um retrocesso, na Nova Lei há um salto qualitativo rumo a um urbanismo sustentável e resiliente.............................................

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A Constituição Federal é clara no sentido de que cabe ao Município promover o ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso do solo urbano (art. 30, VIII), garantindo a função social da propriedade e da cidade (art. 182). No caso do Recife, o próprio Plano Diretor de 2021 determinou a revisão da legislação urbanística de 1996. Portanto, a atualização da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), não é facultativa, mas um dever do ente municipal, compatível com o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) e com o Plano Diretor atualmente vigente.
No corrente ano o Município do Recife retoma os debates em torno da LPUOS, iniciados ainda quando da revisão do atual Plano Diretor, essa retomada ocorre a partir de diversas reuniões da Câmara Técnica do Conselho da Cidade, encontros setoriais que reuniram em torno de 780 pessoas, audiência pública no Teatro do Parque com mais de 200 participantes e, ao final, aprovação unânime no Conselho da Cidade, com elogio expresso da representante do Ministério Público presente à reunião em relação à forma de escuta realizada pelo Município. Assim, essa etapa da revisão se apresentou como uma efetiva concretização da gestão democrática exigida pelo Estatuto da Cidade.
Durante a vigência da Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1996, mais precisamente em 2001 foi promulgada a chamada Lei dos 12 Bairros (lei nº 16.719 de 2001) que cria a Area de Reestruturação Urbana - ARU, composta pelos bairros Derby, Espinheiro, Graças, Aflitos, Jaqueira, Parnamirim, Santana, Casa Forte, Poço da Panela, Monteiro, Apipucos e parte do bairro Tamarineira, estabelecendo condições de uso e ocupação do solo nessa área de maneira mais restritiva em relação ao restante da cidade, fazendo um recorte territorial da cidade, de forma a evitar a descaracterização de áreas com valores históricos e paisagísticos com o controle da verticalização.
Agora, a revisão da LPUOS propõe uma visão sistémica da cidade, rompendo com essa visão setorial, para isso a proposta de alteração foi estruturada em eixos temáticos que buscam tornar a cidade mais inclusiva e equilibrada. No eixo Cidade para Todos, o foco foi ampliar a oferta de habitação, sobretudo de interesse social, com incentivos como aumento do potencial construtivo em projetos do Minha Casa Minha Vida, nesse eixo, também se destaca a reabilitação do Centro Histórico, com estímulos ao retrofit de edifícios nos bairros centrais, condicionados à provisão de moradia, especialmente popular. No eixo Cidade Melhor, a lei busca qualificar a relação entre empreendimentos e espaço público, com adoção de parâmetros urbanísticos que promovam integração com a rua, como fachadas ativas, alargamento de calçadas, arborização e áreas ajardinadas. Esses instrumentos, antes restritos à Lei dos 12 Bairros, passam a valer em toda a cidade, ampliando o acesso a espaços urbanos mais acolhedores e funcionais.
Já o eixo Cidade Parque reforça a integração com os cursos d’água, prevendo parques lineares às margens dos rios e exigindo que empreendimentos cedam a faixa não edificável para implantação de áreas de lazer e contemplação. Por fim, nos eixos Cidade Preservada e Direito à Cidade, o destaque está na proteção do patrimônio histórico e na inclusão social. O número de Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (ZEPH) passa de 33 para 47, com ampliação de 23 áreas já existentes, além disso a criação de 16 novas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e a ampliação de duas já existentes elevam sua cobertura para 14% do território municipal, assegurando maior reserva de solo para habitação popular e reforçando o compromisso da legislação com justiça urbana e equidade socioespacial.
Várias inovações são apresentadas na proposta de revisão, a título de exemplo, do ponto de vista ambiental, a minuta mantém, a Taxa de Solo Natural (TSN) já prevista na legislação de 1996 e inova ao introduzir a Taxa de Contribuição Ambiental (TCA). Este novo instrumento amplia a proteção climática ao exigir soluções como telhados verdes, pavimentos drenantes, arborização viária e reservatórios de reuso.
Além disso, a lei corrige impropriedades técnicas antigas, como a confusão entre “faixa não edificável” e Área de Preservação Permanente (APP), distinguindo claramente os regimes e assegurando consonância com o Código Florestal e o Código do Meio Ambiente do Recife. Longe de um retrocesso, há um salto qualitativo rumo a um urbanismo sustentável e resiliente.
A aprovação da nova LPUOS, não representa o fim da Lei dos 12 Bairros, representa, sim, sua superação, substituindo um modelo restritivo e localizado por uma legislação abrangente para toda a cidade, mantendo na área dos 12 bairros a proibição dos chamados “espigões” e permitindo rever uma legislação em vigor há quase três décadas, cuja proposta de revisão teve por base os objetivos e diretrizes traçados no novo Plano Diretor (Lei Complementar nº 02/2021), com uma visão sistêmica e não setorial da cidade que leva em conta infraestrutura, estrutura social, economia, meio ambiente, politicas públicas e planejamento urbano, dentre outros aspectos, de forma que a legislação proposta conjuga sustentabilidade socioespacial ambiental, justiça socioespacial e segurança jurídica, apresentando-se como um marco urbanístico mais robusto, capaz de enfrentar os desafios ambientais e sociais do século XXI.
Eugênia Giovanna Simões Inácio Cavalcanti., procuradora do Município do Recife, doutora em Desenvolvimento Urbano e mestre em Direito Público pela UFPE. Professora universitária de Direito Urbanístico e Administrativo