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Celulose: do passado ao futuro

O desenvolvimento de eletrodos à base de celulose deve permitir que, em breve, componentes completamente livres de metal sejam produzidos

Por Helinando Pequeno de Oliveira Publicado em 25/08/2025 às 0:09

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Quem tem mais de 40 anos vai lembrar como se comprava pão no passado: o padeiro embalava os pães em papel madeira com um barbante. Havia também a opção de levar uma sacola de pano. Neste caso, os pães saíam com desconto. Então veio a invasão das sacolas e garrafas pet e o resto da história já sabemos, com as ilhas de plástico flutuantes, do microplástico no cérebro e em todo o lugar. A ciência compreendeu que já passou da hora de trazer a celulose de volta ao centro das atenções. E este processo já transborda para a indústria de alimentos, que vem substituindo o polipropileno por espumas de celulose nas embalagens.

A celulose (composto orgânico mais abundante e renovável da natureza) é um biopolímero feito de subunidades de glicose, podendo ser extraída da madeira, mas também de resíduos da agricultura, fonte primária e abundante, dados os números alarmantes de desperdício (dados da FAO estimam que 30% dos alimentos produzidos no planeta são desperdiçados ou perdidos por ano). Ainda mais ecologicamente correta que o primeiro tipo, vem a celulose bacteriana, produzida por processo fermentativo no qual se encontram apenas as células bacterianas e açucares, resultando em um material livre de polissacarídeos não celulósicos com mais benefícios ambientais do que a celulose convencional. É fato que uma verdadeira revolução vem sendo trabalhada em torno de dispositivos à base de celulose, que seguem de embalagens inteligentes a sensores de traços de contaminantes, passando por sistemas de liberação de fármacos e sistemas de armazenamento de energia, como baterias e supercapacitores.

O desenvolvimento de eletrodos à base de celulose deve permitir que, em breve, componentes completamente livres de metal sejam produzidos, conduzindo-nos ao conceito de um sistema integrado todo feito da mesma matriz. Assim, folhas de papel poderão ser baterias, sensores, mostradores digitais.

E a vantagem remanescente do plástico (a sua transparência) já vem encontrando concorrência em filmes transparentes de celulose (já disponíveis no mercado) – uma vez que a apreciação visual de frutas, verduras e carnes embaladas é fundamental. A incorporação de selos de qualidade que certifiquem e mudem de cor com a degradação do material embalado é outra importante vantagem a ser considerada.

O tempo passou e a ciência permitiu que pudéssemos manter as árvores de pé e produzir uma celulose de mais alta qualidade, sem processos agressivos ao meio ambiente. Tudo indica que estamos a presenciar uma nova era de substituição de insumos à base de petroquímicos por uma nova eletrônica desenhada sobre a celulose e tecidos vestíveis. Foi preciso poluir os mares e todo o planeta para que a espécie humana pudesse entender que a solução estava no passado.

Então, bem-vindas de volta, sacolinhas de papel. Que os plásticos saiam de vez de nossa rotina, pois os que já estão por aqui permanecerão por milhares de anos. O planeta agradece que a ciência tenha compreendido que a mãe natureza sempre tem razão. E lá vamos nós voltar no tempo, comprar nossos pães na velha sacolinha de papel, que agora chega recheada de tecnologia.

* Helinando Pequeno de Oliveira, físico, professor da Univasf e vice-presidente da Academia Pernambucana de Ciências 

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