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Liberdade de expressão não é (mesmo que pareça) Casa de Mãe Joana

"Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tantos têm medo dela". ....Tá na hora de pensar nisso..............................

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 23/08/2025 às 0:00 | Atualizado em 25/08/2025 às 10:24

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A liberdade não é um conceito manipulável pelo egoísmo. A liberdade verdadeira envolve, também, ter de abdicar de parte dela. Liberdade é autodeterminação. Difundir a incitação ao ódio contra quem pensa diversamente ou impedir o ir e vir da maioria por desejos pessoais ou de um pequeno grupo, não são expressões de liberdade. São a sua negação, o que vale para o indivíduo, o partido político, o movimento social, enfim, o conjunto da sociedade.

Nas aulas de Direito, aprende-se que não há, em proteção da prevalência do interesse coletivo sobre o privado, liberdades irrestritas. E isso sob pena de se outorgar à pessoa natural a perigosa prerrogativa de fazer e dizer o que queira, sem consequências. Tese que remete, por exemplo, ao refrão da famosa música de Caetano Veloso, "É proibido proibir", lançada na época da ditadura de 64/85, mas em contexto inteiramente subvertido. Por isso se impõe chamar o feito à ordem.

Desde os antigos gregos, passando pelos renascentistas, pelas Revoluções Francesa e Norte-Americana e pelas declarações humanistas dos dois pós guerras mundiais, culminando com as Constituições das modernas democracias, em que pese o ideário da liberdade tenha sempre permeado o centro do debate

público, é preciso que se definam fronteiras racionais para que a ânsia do exercício de uma liberdade como se não houvesse amanhã, não se convole em fórmula tirânica.

O Brasil, que se recusa a se acomodar no marasmo e não é para amadores como disse Tom Jobim, oferece uma aula prática permanente sobre a capacidade de resistência dos alicerces do constitucionalismo na ótica das liberdades, de que é destaque, sem dúvida, a de expressão, protesto e crítica.

O noticiário vem atualizando em ritmo frenético os exemplos do quanto essa liberdade específica é maltratada entre nós. Dia desses, o Recife travou por um protesto de carroceiros contra lei aprovada em 2013 que veda o uso de carroças puxadas por tração animal (ou VTA's). Ora, por mais legítima que se mostre a insatisfação, os fins não justificam os meios, ou todos perdem. Quando resta prejudicada a maioria, não dá para pedir paciência ou empatia a uma agenda. Não se pode paralisar a vida urbana. Se a mobilidade no trânsito já é um pesadelo do recifense, não se pode fazer seu upgrade para a categoria de modo de tortura, coisa que a também a Constituição reprime.

O mesmo se diga do movimento por intervenção militar, que resultou nos eventos do 8 de janeiro de 2025 em Brasília, com a depredação das sedes dos três Poderes, no intuito, segundo hoje se alega, com base em informações de inteligência, de que revoltas parecidas se espalhassem por outras unidades da Federação. Por igual, as declarações, faixas e palavras de ordem clamando pela ruptura do regime democrático; e dos acontecimentos também recentes no

Plenário do Congresso, com a atitude de um grupo de Deputados de promover um motim para obstar a reabertura do ano legislativo e exigir, dentre outros

encaminhamentos, a votação de um projeto da anistia aos envolvidos naquele malsinado domingo de terror e infâmia.

A barulheira ignora que a proteção da democracia e da Constituição do Estado de Direito não admite acordos, nem é negociável, nem consubstancia direito disponível. Ignora, ainda, que, mesmo sob o manto de suposta "pacificação social", a ideia de anistia ou esquecimento, se aprovada, acabaria sendo tratada pela história como a rendição humilhante da Carta Cidadã, jamais como um gesto de pacificação social.

Esses três exemplos densificam a conclusão de que é imprescindível que as liberdades coexistam com as respectivas obrigações e que os abusos não passem impunes para que tudo termine com um pedido de desculpas e um aperto de mãos, pois as liberdades fundamentais não são Casa de Mãe Joana, mesmo que para alguns assim o pareçam. Talvez seja o caso de retornar à lousa e mandar o alunato escrever mil vezes no caderno, à mão, a frase de George Bernard Shaw: "Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tantos têm medo dela". O protesto, se deixa de ser questão de Política para passar a ser de Polícia, a ninguém beneficia. Tá na hora de pensar nisso.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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