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Fotos comparativas da Estátua da Liberdade não provam inexistência do aquecimento global

Publicação viral ignora que maré, ângulo da foto e outros fatores alteram a percepção visual, enquanto dados científicos confirmam o avanço do mar

Por Projeto Comprova Publicado em 19/08/2025 às 13:43

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Diferentemente do que sugere uma publicação feita no X, uma comparação entre duas fotos da Estátua da Liberdade, uma que seria de 1898 e a outra de 2025, aparentemente com o nível da água inalterado, não serve como prova de que não houve aumento no nível do mar neste período.

A montagem, que circula nas redes sociais, é enganosa, pois os dados científicos e as medições reais demonstram um aumento progressivo do nível do mar ao longo do tempo.

Além das fotos, a publicação investigada traz um texto, no qual afirma, de forma irônica, que as imagens, com a água aparentemente no mesmo nível, mostram “127 anos de ‘aumento do nível do mar’ devido ao ‘aquecimento global’”.

A imagem de 1898, em preto e branco, é de fato uma fotografia antiga. Já a foto de 2025 é uma imagem colorida e moderna do mesmo monumento.

Ao colocá-las lado a lado, o post sugere que, visualmente, não há diferença no nível da água entre os dois períodos, ignorando medições científicas precisas e o contexto.

A comparação visual é falha porque a posição da câmera, a maré no momento da foto e outros fatores podem alterar a percepção da altura da água.

O Comprova também avaliou as imagens com a ajuda de inteligência artificial.

Embora as conclusões das IAs devam ser tratadas com reservas, tanto o ChatGPT quanto o Gemini alertam que as fotos de 1898 e 2025 não servem como prova de que não houve aumento do nível do mar no período.

As IAs indicam diferenças de perspectiva, incertezas sobre as marés e alterações físicas na ilha como obstáculos para uma conclusão sobre o nível do mar a partir de uma simples comparação das imagens.

Reprodução / X
Imagem publicada nas redes sociais comparando o nível da água em diferentes datas - Reprodução / X

De acordo com Kauane Bordin, bióloga e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em medições feitas pelas Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA na sigla em inglês) dos Estados Unidos, a cidade de Nova York vem apresentando um rápido aumento no nível do mar na sua costa oceânica.

“Avaliações recentes mostram que este aumento tem atingido a marca de 2,94 mm por ano”, diz.

Ainda segundo Kauane, existem diferentes formas de estimar o aumento do nível dos oceanos, que variam em precisão de acordo com a área amostrada.

Áreas extensas, por exemplo, são monitoradas por meio de imagens de satélite, enquanto avaliações regionais contam com o monitoramento em estações de nível da água com dados históricos e de longo prazo.

Este segundo método tem maior refinamento e precisão. No caso de Nova York, as medidas são in loco e acontecem desde 1856.

O derretimento das calotas polares e das geleiras está provocando um aumento no nível do mar de cerca de 3 milímetros por ano em Nova York, afirma a especialista.

“À primeira vista, o número pode parecer pequeno — afinal, 3 mm é quase imperceptível numa régua. Porém, quando se fala em oceano, essa escala muda completamente”, diz.

“Para entender, basta pensar na diferença entre encher um copo e encher uma bacia: a mesma medida de água ocupa volumes muito diferentes. Assim, 3 mm adicionais na superfície de todos os oceanos do planeta representam bilhões de litros de água a mais”, afirma.

Outra evidência de que o aquecimento global é real é que, como já publicado pelo Comprova, estudos da Nasa mostram que a temperatura média na Terra aumentou pelo menos 1,1° Celsius desde 1880, a uma taxa de aproximadamente 0,15 a 0,20°C por década.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

A imagem foi publicada em um perfil favorável ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que acumula 63 mil seguidores.

Na publicação analisada, o alcance chegou a 340 mil visualizações.

A página posta outros conteúdos de desinformação com vídeos e fotos sobre o político, que, como seu filho Carlos, segue o perfil.

Por que as pessoas podem ter acreditado?

A principal estratégia é o uso de uma falsa equivalência visual.

Ao colocar lado a lado duas imagens, a publicação cria a ilusão de uma comparação científica, sugerindo que o nível do mar permanece o mesmo.

Essa abordagem é poderosa porque as pessoas tendem a acreditar mais no que veem se não têm entendimento sobre o assunto.

A imagem é mais rápida de ser consumida e interpretada do que um texto longo com dados, e a suposta “evidência visual” parece incontestável, mesmo que seja enganosa.

A tática de manipulação também se apoia em uma simplificação enganosa de um tema complexo.

O aumento do nível do mar não é um processo uniforme ou facilmente perceptível a olho nu em um local específico.

As variações de maré, a posição da câmera, a época do ano e outros fatores podem influenciar na ideia de que o nível da água mudou.

Assim, a narrativa se baseia mais na emoção e na intuição, do que em análises e dados científicos capazes de comprovar a realidade.

A combinação de um texto provocativo com uma imagem aparentemente convincente faz com que a publicação seja um exemplo clássico de desinformação, misturando táticas visuais e textuais para manipular a percepção do público.

Fontes que consultamos

Entrevista com a bióloga Kauane Bordin, reportagem da Time Magazine, Gemini e ChatGPT.

Por que o Comprova investigou essa publicação?

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.

Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema

O Comprova já mostrou que a emissão de gases de efeito estufa pelo ser humano é responsável pelo aumento da temperatura global, ao contrário do que diz vídeo e que é enganoso afirmar que CO2 não tem relação com o aquecimento.

Em 2021, a Agência Lupa também verificou uma postagem que usava as mesmas imagens da Estátua da Liberdade e discurso narrativo.

  • Notas da comunidade: Até a publicação desta reportagem, não foram adicionadas notas da comunidade no X.

A checagem foi publicada em 18 de agosto de 2025 pelo Comprova — coalizão formada por 42 veículos de comunicação que verifica conteúdos virais.

A investigação foi conduzida pelo UOL e Grupo SINOS, e o conteúdo também passou por verificação de Jornal do Commercio, Folha de S. Paulo, NSC Comunicação e Estadão.

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