Fotos comparativas da Estátua da Liberdade não provam inexistência do aquecimento global
Publicação viral ignora que maré, ângulo da foto e outros fatores alteram a percepção visual, enquanto dados científicos confirmam o avanço do mar

Clique aqui e escute a matéria
Diferentemente do que sugere uma publicação feita no X, uma comparação entre duas fotos da Estátua da Liberdade, uma que seria de 1898 e a outra de 2025, aparentemente com o nível da água inalterado, não serve como prova de que não houve aumento no nível do mar neste período.
A montagem, que circula nas redes sociais, é enganosa, pois os dados científicos e as medições reais demonstram um aumento progressivo do nível do mar ao longo do tempo.
Além das fotos, a publicação investigada traz um texto, no qual afirma, de forma irônica, que as imagens, com a água aparentemente no mesmo nível, mostram “127 anos de ‘aumento do nível do mar’ devido ao ‘aquecimento global’”.
A imagem de 1898, em preto e branco, é de fato uma fotografia antiga. Já a foto de 2025 é uma imagem colorida e moderna do mesmo monumento.
Ao colocá-las lado a lado, o post sugere que, visualmente, não há diferença no nível da água entre os dois períodos, ignorando medições científicas precisas e o contexto.
A comparação visual é falha porque a posição da câmera, a maré no momento da foto e outros fatores podem alterar a percepção da altura da água.
O Comprova também avaliou as imagens com a ajuda de inteligência artificial.
Embora as conclusões das IAs devam ser tratadas com reservas, tanto o ChatGPT quanto o Gemini alertam que as fotos de 1898 e 2025 não servem como prova de que não houve aumento do nível do mar no período.
As IAs indicam diferenças de perspectiva, incertezas sobre as marés e alterações físicas na ilha como obstáculos para uma conclusão sobre o nível do mar a partir de uma simples comparação das imagens.
De acordo com Kauane Bordin, bióloga e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em medições feitas pelas Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA na sigla em inglês) dos Estados Unidos, a cidade de Nova York vem apresentando um rápido aumento no nível do mar na sua costa oceânica.
“Avaliações recentes mostram que este aumento tem atingido a marca de 2,94 mm por ano”, diz.
Ainda segundo Kauane, existem diferentes formas de estimar o aumento do nível dos oceanos, que variam em precisão de acordo com a área amostrada.
Áreas extensas, por exemplo, são monitoradas por meio de imagens de satélite, enquanto avaliações regionais contam com o monitoramento em estações de nível da água com dados históricos e de longo prazo.
Este segundo método tem maior refinamento e precisão. No caso de Nova York, as medidas são in loco e acontecem desde 1856.
O derretimento das calotas polares e das geleiras está provocando um aumento no nível do mar de cerca de 3 milímetros por ano em Nova York, afirma a especialista.
“À primeira vista, o número pode parecer pequeno — afinal, 3 mm é quase imperceptível numa régua. Porém, quando se fala em oceano, essa escala muda completamente”, diz.
“Para entender, basta pensar na diferença entre encher um copo e encher uma bacia: a mesma medida de água ocupa volumes muito diferentes. Assim, 3 mm adicionais na superfície de todos os oceanos do planeta representam bilhões de litros de água a mais”, afirma.
Outra evidência de que o aquecimento global é real é que, como já publicado pelo Comprova, estudos da Nasa mostram que a temperatura média na Terra aumentou pelo menos 1,1° Celsius desde 1880, a uma taxa de aproximadamente 0,15 a 0,20°C por década.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova
A imagem foi publicada em um perfil favorável ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que acumula 63 mil seguidores.
Na publicação analisada, o alcance chegou a 340 mil visualizações.
A página posta outros conteúdos de desinformação com vídeos e fotos sobre o político, que, como seu filho Carlos, segue o perfil.
Por que as pessoas podem ter acreditado?
A principal estratégia é o uso de uma falsa equivalência visual.
Ao colocar lado a lado duas imagens, a publicação cria a ilusão de uma comparação científica, sugerindo que o nível do mar permanece o mesmo.
Essa abordagem é poderosa porque as pessoas tendem a acreditar mais no que veem se não têm entendimento sobre o assunto.
A imagem é mais rápida de ser consumida e interpretada do que um texto longo com dados, e a suposta “evidência visual” parece incontestável, mesmo que seja enganosa.
A tática de manipulação também se apoia em uma simplificação enganosa de um tema complexo.
O aumento do nível do mar não é um processo uniforme ou facilmente perceptível a olho nu em um local específico.
As variações de maré, a posição da câmera, a época do ano e outros fatores podem influenciar na ideia de que o nível da água mudou.
Assim, a narrativa se baseia mais na emoção e na intuição, do que em análises e dados científicos capazes de comprovar a realidade.
A combinação de um texto provocativo com uma imagem aparentemente convincente faz com que a publicação seja um exemplo clássico de desinformação, misturando táticas visuais e textuais para manipular a percepção do público.
Fontes que consultamos
Entrevista com a bióloga Kauane Bordin, reportagem da Time Magazine, Gemini e ChatGPT.
Por que o Comprova investigou essa publicação?
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.
Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema
O Comprova já mostrou que a emissão de gases de efeito estufa pelo ser humano é responsável pelo aumento da temperatura global, ao contrário do que diz vídeo e que é enganoso afirmar que CO2 não tem relação com o aquecimento.
Em 2021, a Agência Lupa também verificou uma postagem que usava as mesmas imagens da Estátua da Liberdade e discurso narrativo.
- Notas da comunidade: Até a publicação desta reportagem, não foram adicionadas notas da comunidade no X.
A checagem foi publicada em 18 de agosto de 2025 pelo Comprova — coalizão formada por 42 veículos de comunicação que verifica conteúdos virais.
A investigação foi conduzida pelo UOL e Grupo SINOS, e o conteúdo também passou por verificação de Jornal do Commercio, Folha de S. Paulo, NSC Comunicação e Estadão.