Conversas de 1/2 minuto (44) - Advogados (I e II)
Agosto é o mês dos advogados. Por conta disso, seguem duas colunas em sequência, só com nós. Em livro que estou escrevendo (título da coluna).

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ADMALDO MATOS, advogado e secretário da Fazenda de Pernambuco. Com caso para decidir, no tempo da Redentora, pediu parecer ao procurador João Pinheiro Lins e este
O que deseja?
Apenas diga o que deve ser feito.
E João, balançando os dedos no seu rosto,
Está pensando o quê? Eu não estou aqui para cumprir nenhuma lei, seu doutor, meu papel é só dar fundamento jurídico às arbitrariedades da administração.
ARAMIS TRINDADE, advogado. Mostrou jornal com aqueles anúncios, depois que um parente falece, "A família agradece, ao dr... (nome), o esforço e a dedicação na morte de nosso parente". E nos contou sonho que tinha sempre, depois que um cliente seu era condenado (a por exemplo 30 anos de prisão), o de ver
- A família agradece, ao dr. Aramis, o esforço e a dedicação que teve na condenação de nosso parente.
EVANDRO LINS E SILVA, penalista. Fomos nomeados em procuração, por ABI e OAB, para requerer o impeachment do presidente Collor. E de sexta a domingo, durante meses, nos reunimos na OAB Federal para redigir. O Ministro Evandro, responsável na petição pelos temas de Direito Penal, começou a ler discurso que preparou para a sessão do Senado
- As relações entre Collor e P C Farias são espúrias, um conúbio, um contubérnio.
Silêncio na sala, ficou olhando e nós dois parados. Fábio Konder Comparato, responsável pelo Direito Constitucional, se vira para mim
- Fale, por favor.
E eu, que redigi o resto, argumentei
- Melhor você, que é sobrinho dele.
Evandro parou de ler, indignado,
- Estão achando ruim?
- Não é isso, Ministro. Mas vai ter que escolher entre conúbio (casamento) e contubérnio (concubinato). Os dois, juntos, não pode.
- Mas a frase está pedindo esse reforço (repetiu, gesticulando, como se estivesse num júri). Acho que vocês nunca serão verdadeiros advogados que, para isso, precisam sentir gosto de sangue na boca.
Depois, mais calmo, riscou o conúbio. Collor acabou cassado. E vem, à memória, o último parágrafo de nossas Alegações Finais
- No meio deste processo que abalou a Nação foi descoberto, no sótão obscuro da vida privada do denunciado, seu verdadeiro retrato. Era Dorian Gray. A personalidade do jovem esbelto e formoso, de olhar altivo e gestos imponentes, apareceu na tela, pintada no seu lado moral, a horrenda figura da corrupção, do vício e da fraude. Todos puderam ver que a personagem pública era uma burla e o retrato escondido, a realidade.
FERNANDO LYRA, ministro da Justiça. Na Faculdade de Direito de Caruaru (ASCES) não tinha fama de ser aluno aplicado, talvez o contrário fosse uma definição mais realista. Deixou de comparecer à prova escrita de Direito Penal, dado não querer passar vergonha, e tirou 0 (zero). Precisava de 10 (dez), na dissertação final, para ter média 5 (cinco) e passar de ano. Ele próprio me contou essa história. Como o professor iria viajar deixou, com um bedel, instruções para a tal prova. Fernando se aproveitou da fragilidade econômica do pobre homem e conseguiu saber, antes, o tema da dissertação. Seria O Estupro. Comprou todos os livros sobre a matéria na praça e, durante um mês, estudou como nunca fez na vida. Escreveu 25 páginas, em vez das uma ou duas dos outros alunos. Confiando no 10 (dez) que precisava. E tirou 1 (um). Procurou o professor para pedir revisão da prova
- O senhor tem alguma explicação para me dar essa nota?
- Tenho, Fernando.
- Qual?
- É que não dou 0 (zero) a nenhum aluno que vem à sala de aula. O rapaz acorda, toma um ônibus, senta, escreve, como é que vou dar 0 (zero)? Essa é a nota dos que não aparecem. Para quem estava na sala, nota mínima é 1 (um).
- O doutor leu minhas 25 páginas?
- Não li nenhuma, Fernando.
- E me deu 1 (um)?
- Dei.
- Como?
- Não li a redação, só seu título. Pode ver, aqui está, O ESTRUPO. Se você fosse professor, leria o resto?
- Não senhor.
- E que nota daria?
- A que deu é mais do que merecida.
- Estamos conversados?
- Sim, professor. Muito obrigado.
Ano seguinte, estudou e acabou passando. A lição foi bem aprendida.
* * *
Na Câmara dos Deputados, começou discurso dizendo
- Falo como advogado.
Seu colega José Mendonça, de Belo Jardim, aparteou
- Diga isso com menos pompa, Fernando. Que, nas provas, você filava de mim que sou analfabeto.
Saudades do amigo querido.
RAYMUNDO FAORO, presidente da OAB Federal. Com ele, no seu escritório de advocacia (Rio), quem o sucedeu na OAB (com seu apoio) Eduardo Seabra Fagundes, filho do grande Miguel. Pouco antes uma carta, endereçada a Eduardo, foi por engano aberta por sua secretária, dona Lydia Monteiro da Silva, morta na explosão de bomba que havia dentro dela. Preocupado com a segurança da família, informou ter vendido todo seu patrimônio. Inclusive uma ilha que adorava, em Búzios. Até a casa em que morava, na Barra, pertencente antes ao ator global Francisco Cuoco. E depositou o apurado na Suíça. Se a violência aumentasse, confessou, iria morar fora. Faoro fechou a cara
Achou ruim?, Faoro.
Achei péssimo, Eduardo; que, por conta do cargo que ocupa, você é símbolo dos advogados brasileiros. Vai parecer que todos nós estamos acovardados.
Você só diz isso, Faoro, porque não tem o que eu tenho, que é dinheiro.
Não, Eduardo, eu é que tenho o que você não tem, que é culhão.
Não no sentido neutro da expressão, che povero coglione che sei (que pobre culhão me saísse); mas como sinônimo de bravura, avoir des couilles au cul (ter colhões no cu). Fim da relação. Faoro nunca mais lhe dirigiu a palavra. Inúteis os esforços dos amigos comuns que, várias vezes, fomos a seu escritório para tentar fazer as pazes entre os dois.
GIBRALDO MOURA COELHO, penalista. Na Ditadura, Nilo Coelho foi nomeado governador de Pernambuco. E, para fazer graça, ficávamos dizendo ao velho comunista
- Agora você vai se apresentar, dando ênfase no sobrenome, como Gibraldo Coelho (assim era conhecido). Só para ter vantagens, nas delegacias, por pensarem que é parente do governador.
- Parem com isso, por favor, todos sabem que sempre fui oposição.
- Nada, Gibraldo, você quer mesmo é faturar.
E foi tanta brincadeira que tomou uma decisão drástica. Trocou de nome. Passando a ser, para todos os fins, Gibraldo Moura. Na placa do escritório, nos papéis, no catálogo telefônico, nos cartões de visita. Só não contava é que o governador nomeado pelos militares, para substituir Nilo Coelho, fosse José... Moura. Como ele, agora, Gibraldo Moura. E não perdi a oportunidade
- Bicho inteligente, virou Moura só para se aproveitar do sobrenome.
- Aqui pra nós, amigo, ele não foi justo.
- Ele quem?, Gibraldo.
- Deus, Zé Paulo. Deus.
JOSÉ ROBERTO CASTRO NEVES, advogado, da ABL. Tímido e encantado com Bel, uma colega na Faculdade de Direito, não sabia como se aproximar para dizer de seu afeto (até então) secreto. E decidiu mandar para ela carta, endereçada à "Neta de Isabel", que começava assim
Quando conheci sua avó, eu me apaixonei perdidamente por ela.
Sem assinar. Aumentando o mistério. Resultado? Deu tão certo que casaram e foram felizes para sempre.
José Paulo Cavalcanti Filho, advogado