Feminicídio no Brasil: quando o "não" vira sentença de morte
O Mapa da Segurança Pública de 2025 revelou um dado brutal: quatro mulheres são assassinadas todos os dias no Brasil, vítimas de feminicídio.

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Em 2024, foram 1.459 mortes, a maioria cometida por parceiros ou ex-parceiros, quase sempre dentro da casa da vítima. O gatilho mais comum é o "não" da mulher: "Não quero mais", "Não aceito isso", "Não volto atrás". Para muitos agressores, além de ser uma negativa, é a destruição de um poder que acreditam possuir sobre a vida, o corpo e as escolhas femininas. Portanto, o "não" representa a quebra de uma lógica de controle construída ao longo de meses ou anos, por meio de vigilância, isolamento e violência psicológica. Essa realidade contrasta com o que encontrei há 20 anos, quando realizei uma pesquisa inédita analisando todos os homicídios registrados em um ano em Pernambuco.
Naquele período, a motivação predominante para o feminicídio era a acusação ou suspeita de traição. Hoje, o principal fator desencadeador é a decisão da mulher de encerrar o relacionamento. Ou seja, antes a violência se alimentava da ideia de desonra. Agora, alimenta-se da recusa em aceitar a autonomia feminina. A posse, nesses casos, não é amor nem ciúme, mas a convicção de propriedade. Quando esse "suposto patrimônio" se rebela, a resposta de alguns é eliminar a mulher, como se fosse um objeto que deixou de cumprir sua função.
Não saber receber uma negativa feminina é reflexo de uma cultura, que ainda legitima o domínio masculino e desvaloriza a liberdade da mulher. Não se trata apenas de punir com mais rigor, embora a lei seja essencial, mas de desconstruir, desde cedo, a crença de que amar é possuir. Enquanto um "não" continuar sendo interpretado como desafio e não como direito, mulheres seguirão morrendo e cada uma dessas mortes será o retrato de um país, que ainda não aprendeu a respeitar limites.
Mudar essa história exige ação coordenada, educação de crianças e adolescentes para o respeito mútuo, campanhas contínuas contra a violência de gênero e políticas públicas que garantam a proteção efetiva das vítimas. Só assim o "não" deixará de ser uma sentença de morte e passará a ser reconhecido como legítima afirmação da liberdade feminina.
Claudia Molinna, vice-presidente da ADEPPE, Associação dos Delegados e Delegadas de Polícia de Pernambuco