Mudanças no foro privilegiado
Para o STF somente fazem jus ao privilégio, nos crimes comuns, aqueles que sejam acusados por atos praticados no exercício pleno da função pública,

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Nos termos da Constituição Federal de 1988 (art. 102), que criou um foro privilegiado em relação a determinadas autoridades públicas, o fez estabelecendo que compete ao Supremo Tribunal Federal (STF), processar e julgar, originalmente, todas as infrações penais comuns contra o presidente e vice da República, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros, o procurador-geral da República, os ministros de Estado, os comandantes das Forças Armadas, os membros dos Tribunais Superiores de Justiça, os ministros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, bem como todos os habeas corpus que tenham como pacientes quaisquer das autoridades que detenham a prerrogativa de foro.
A mesma Carta de 1988, também confere a prerrogativa de foro especial junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos crimes comuns, aos governadores de Estado e do Distrito Federal, aos desembargadores dos Tribunais Estaduais, do Distrito Federal e aos Federais, aos membros dos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais, aos representantes do Ministério Público da União, assim como os habeas corpus em sejam partes os ministros de Estado, os comandantes das Forças Armadas ou em relação aos seus próprios ministros (art. 105).
O Texto Constitucional de 1988, porém, não especificou se os privilégios do foro especial são ou não exclusivos em relação àquelas autoridades que estejam em pleno exercício da função pública. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, principalmente, tem interpretado essas regras constitucionais de diferentes maneiras, seja reformando o seu Regimento Interno, seja em razão de decisões judiciais proferidas pelo seu plenário. Bem por isso, o STF ora vem entendendo que somente fazem jus ao privilégio, nos crimes comuns, aqueles que sejam acusados por atos praticados no exercício pleno da função pública, ora consagrando que praticado o ato infracional no exercício da função, a prerrogativa de foro permanece, mesmo que a autoridade pública já não esteja no exercício das suas atividades. Hoje, o STF tem adotado este último posicionamento: cometido o ilícito penal, durante o exercício da função, a prerrogativa de foro é prorrogada, mesmo que o ente público já não esteja exercendo a função institucional.
Com este último entendimento, o STF, pela sua Primeira Turma, vem processando criminalmente (AP 2668, Núcleo 1), os acusados Alexandre Ramagem, (ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Jair Bolsonaro (ex-presidente da República), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens e colaborador), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil), denunciados que foram pelo procurador-geral da República, pelo cometimento dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Tramita no Congresso Nacional, Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 333/2017), já aprovada no Senado Federal, alterando, profundamente, os critérios para a utilização do foro por prerrogativa de função. Eis algumas das novas proposições: 1) A competência do STF será aquela exclusivamente para julgar e processar criminalmente, somente, o presidente e vice da República, o presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal o do Supremo Tribunal Federal, bem como apreciar os habeas corpus, nos casos em que o coator for Tribunal sujeito à sua jurisdição, os ministros de Estado e os comandantes das Forças Armadas, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; 2) Não há previsão, na PEC, de modificação na atual competência jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça; 3) Caberá aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, processar e julgar os crimes de responsabilidade, contra atos dos os seus Juízes e dos membros do Ministério Público Estadual. Nos crimes comuns, permanece a competência dos Tribunais Estaduais, para o julgamento dos seus Juízes e dos membros do Ministério Público Estadual, enquanto os Juízes Federais de 1º grau continuam sendo julgados pelos Tribunais Regionais Federais; 4) A PEC é omissa no tocante ao julgamento, nas infrações penais, dos demais ministros do STF, exceto o seu presidente, assim como dos ministros de outros Tribunais Superiores.
Outras propostas contidas na PEC 333/2017, dizem respeito ao fim dos julgamentos dos prefeitos municipais, nos crimes comuns, perante os Tribunais de Justiça dos Estados, como ocorre no presente. A competência, neste caso, passa a ser do Juiz de Direito Estadual. Lado outro, a prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, relativamente aos deputados federais e senadores é transferida para a competência dos Juízes de 1º grau, não havendo previsão se estes magistrados serão os Estaduais ou Federais.
Como é notório, se aprovada a PEC 333/2017, praticamente põe-se um fim no privilégio forense, que hoje é por demais extensivo, mormente no que tange aos julgamentos criminais perante o Supremo Tribunal Federal. Cabe lembrar, entretanto, que se promulgada a Proposta Constitucional nº 333/2017, é de se esperar que todas as ações penais em transcurso atualmente nos tribunais, permanecerão em sua jurisdição, pois somente em relação aos crimes praticados depois da sua publicação terão a competência jurisdicional modificada, principalmente aquelas que estejam em fase das alegações finais. Não se sabe, entretanto, como os Tribunais aplicarão, ou não, em cada caso concreto, o dispositivo constitucional que estabelece que "a lei penal não pode retroagir senão para beneficiar o réu".
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, professor, advogado criminalista, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)