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Jones Figueirêdo Alves: A primeira aula de Direito

No Dia do Advogado, desembargador emérito relembra a primeira aula da Faculdade de Direito de Olinda, pioneira no país ao lado de São Paulo

Por JONES FIGUEIRÊDO ALVES Publicado em 11/08/2025 às 7:42 | Atualizado em 11/08/2025 às 7:45

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O curso de Ciências Jurídicas e Sociais foi previsto por carta real de lei de 11.08.1827, tendo sido criadas as duas primeiras faculdades de Direito do país, a Faculdade de Direito de Olinda (PE) e a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (SP). Estamos nas vizinhanças do seu bicentenário.

Perante esta data comemorativa de 11 de agosto, consagrada como o Dia do Advogado, teremos hoje o lançamento do Projeto “200 Anos da Fundação de Direito”, quando o diretor da FDR, o jurista Torquato de Castro Júnior, e a presidente do Instituto dos Advogados de Pernambuco, Érika Ferraz, formalizarão a reinstalação da sede do IAP (1851), nas dependências da instituição, onde antes funcionou. Iniciam-se as comemorações do bicentenário, com intenso calendário festivo ao longo dos dois próximos anos.

O curso jurídico de Olinda foi instalado em 15.05.1828, no Mosteiro de São Bento, cujos monges cederam as dependências necessárias, tendo ali sido proferida a primeira aula de Direito em 02.06.1828. Os Nove Lentes titulares então nomeados para a regência das cadeiras do curso, conforme o art. 2º da carta de lei de 11.08.1827, “vencerão o ordenado que tiverem os Desembargadores das Relações e gozarão das mesmas honras”.

Nove também foram os magistrados do Tribunal de Relação, componentes de seu quadro inicial, somente completado em 21.10.1823, e que perdurou por dez anos, até quando da elevação, em 1833, para quinze integrantes e reduzido, quarenta anos depois, para treze membros. Hoje somam cinquenta e oito.

Quando o Tribunal de Justiça de Pernambuco, antigo Tribunal de Relação, o quarto mais antigo do país, comemorou seu bicentenário em 13.08.2022,o seu então presidente Des. Luís Carlos de Barros Figueirêdo celebrou a data, retornando à sala do Mosteiro de Olinda onde ministrada a primeira aula de Direito. Um importante resgate do passado que nos ensina e ilumina. Foram precisos 194 anos para o TJPE vir comparecer à antiga Faculdade de Direito.

Por sua designação, fui honrado a proferir uma aula, naquela mesma sala onde ali ministrada a primeira; sublinhando os históricos liames entre as duas seculares instituições, que unificam a Academia Jurídica e o Tribunal e influema melhor realização do Direito.

Desde quando Academia de Ciências Sociais e Jurídicas de Olinda até a Faculdade de Direito do Recife, para onde transferiu-se em 1854, e o Tribunal de Relação até o atual Tribunal de Justiça de Pernambuco, os seus legados jurídico-históricos assinalam um permanente encontro de significados recíprocos.  Observe-se que as identidades (a vencimental e a de reverência) bem situam o berço dialogal entre a Academia, como órgão plural na sua vocação de saberes múltiplos, e o Tribunal, comopalco da própria luta pelo Direito. Um diálogo que tem cumprido a marcante história bissecular, envolvendoas instituições desde a aproximação temporal de seus começos (1822 e 1827).

Desembargadores foram lentes da Faculdade e muitos aqueles que ali lecionaram comumente tiveram ingresso, ao depois, na Corte de Relação. Os Lentes, nos cinco anos do curso distribuído em nove cadeiras, em bom rigor, diziam o direito, na função de “ler as lições”, em consonância literal e etimológica com o significado do termo, herdado de Coimbra; assim como os julgadores, diziam também o direito no exercício da sua jurisdição, na acepção do “juris dicere”, em função jurisdicional de aplicar o direito ao caso concreto.

Em um dos expressivos significados desse diálogo histórico, eis que o primeiro Diretor em exercício da Faculdade, o advogado mineiro Lourenço José Ribeiro, nomeado Lente para instalar os cursos jurídicos de Olinda, também foi um dos integrantes do Tribunal de Relação.Nele tomou posse, em 20.08.1844, até sua remoção para a Relação da Corte no Rio de Janeiro (1848).

Nele confunde-se o professor e o julgador, apresentando-se como o primeiro doutrinador a comentar a primeira Constituição do Brasil, a Constituição Imperial de 1824, cuja obra incompleta, “Análise da Constituição Política do Império”, é datada de 1827, mesmo ano da criação dos cursos jurídicos.

Igualmente encontramoso jurista Francisco de Paula Baptista, da turma de formados de 1833, que ingressa no corpo docente da Faculdade e depois seu diretor; e Juiz de Paz, incluído no corpo judiciário do Tribunal. Ele estabeleceu as bases cientificas do direito processual civil, como ramo autônomo, em seu “Compêndio de Theoria e Prática do Processo Civil comparado com o Commercial” (1855), diante do Decreto Imperial 737 (25.11.1850), que determinou a ordem do Juízo no Processo Comercial. 40 anos depois, com o Decreto 763 (19.09.1890), seriam estendidas as regras para as causas cíveis.

Em significado histórico, anota-se que um dos 41 alunos da primeira turma da Faculdade de Direito, que naquela sala iniciaram seu curso jurídico, obtendo o grau de bacharel em 1832, se encontrava o jovem Joaquim Nunes Machado. Logo se tornou o primeiro juiz de Direito de Goiana, cidade onde nasceu; juiz da 1ª Vara Criminal do Recife (1835) e desembargador do Tribunal da Relação, empossado em 30.10.1847. Um dos líderes da Revolta Praieira (1848), morto em combate entre os revoltosos e tropas do governo, seu nome designa a mais importante Comenda da Corte de Justiça.

Há de se afirmar, em sua origem, que a nossa Faculdade se tornou tão coimbrã, como a que lhe inspirou, a clássica Faculdade de Coimbra, em Portugal, quando ali sediada, vinda de Lisboa, com seus alunos em batinas litúrgicas de uso nas salas de aula e nas ruas. Também em Olinda, em liturgia de fraques pretos, cartolas e botas pretas, a estabelecer uma condição sacerdotal de acadêmicos, como referiu Gilberto Freire, a dizer que, de fato, eram sacerdotes do direito, da jurisprudência e da justiça.Assim somostodos, nesta tradição jurídica.

Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE, advogado e parecerista.

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