"Nem em troca do SOL..."
....."Há coisas que não podem ser negociadas, nem em troca do Sol!". A SOBERANIA é uma delas.......................................

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Fico imaginando o que os pais fundadores da nação americana, caso voltassem à vida nesse momento, sentiriam diante de um presidente Trump, acoitando milicianos, ameaçando a democracia e suas instituições, interferindo na soberania de outras nações, financiando genocídios, chantageando povos inteiros, humilhando chefes de estado... Sentiriam vergonha? Desprezo?
Não nos esqueçamos de que a nação americana praticou um genocídio desde o momento de sua expansão para o Oeste; deportou e escravizou populações inteiras, negando-lhes direitos de cidadania, mesmo após o fim do regime escravista; muitos de seus "heróis" (como Charles Lindbergh, por exemplo) apoiavam abertamente o Nazismo; em 1823 a chamada Doutrina Monroe ("A América para os americanos") instalou um regime imperial na América Latina; durante a Segunda Guerra abriram campos de internamento e concentração para populações de origem asiática; apoiaram todos os golpes de estado de direita na América do Sul e Central; além de terem usado -sem nunca terem sido condenados- armas de destruição em massa e atacarem um país soberano (Iraque) acusado mentirosamente de possuí-las! Os pais fundadores não voltarão para ver o que fizeram de sua herança política. Os Federalistas (Hamilton) jamais aceitariam a agressão ao constitucionalismo praticado pelo atual presidente.
Assim como ele não voltarão, eu também não poderei me deslocar no tempo para assistir, presenciar e participar de um sentimento que eu achava "démodé" e ultrapassado pela globalização: o sentimento de soberania nacional! Gostaria de ter estado em Pernambuco em 1817 para sentir a emergência de um sentido jacobino de republicanismo; gostaria de andar pela Rua da Praia, em 1848, e entrar no "Jornal Novo" de Pedro de Figueiredo e, quem sabe, escrever um artigo contra Araújo Lima; gostaria de estar presente na assinatura do "Acordo do Campo", por Arraes, ou participar de uma reunião no Engenho Galileia, com Julião presente...
Citei apenas eventos e pessoas que estavam em Pernambuco e participaram de fatos decisivos de nossa história. Mas, acabei de realizar meu sonho transhistórico: no último dia 31, na Faculdade de Direito do Recife (UFPE), em que autoridades de diversas instituições jurídicas e representes da sociedade civil e dos poderes legislativos e executivos, sob a batuta da mestra-de-cerimônia, a vice-diretora da FDR, Antonella Galindo, eu tive a oportunidade de "sentir" aquela sensação de pertencer a uma "nação"! Atrás dela, afixaram três representações emblemáticas deste sentimento: no centro a bandeira nacional, à esquerda a palavra SOBERANIA, em letras garrafais, e à direita a palavra DEMOCRACIA.
Em Rousseau, a Soberania "reside no povo, (...)sendo um poder indivisível, inalienável e exercido pela Vontade Geral". O Soberano, nesse sentido, é o corpo político em sua totalidade e não um indivíduo. A Democracia, não custa repetir, não é mais um regime político, um dos três pilares da Modernidade (junto com a Autonomia e a Igualdade, proposto por Kant), mas o REGIME QUE PERMITE A EXISTÊNCIA DA POLÍTICA (Rancière). Diante de representantes do que melhor temos em termos de sensibilidade democrática e republicana (falo da presença de Torquato Castro, Moacyr Araújo, Marcelo Santa Cruz, Teresa Leitão, Liana Cirne, Manoel Moraes, Izael Nóbrega, Francisco Queiroz, Antonella Galindo..., para citar alguns), eu vi a defesa viva e altissonante daqueles ideais modernos que o Iluminismo nos concedeu. E, confesso, fiquei apenas temeroso de que, ali naquela mesma FDR, algo semelhante ao que aconteceu com Demócrito de Souza Filho, viesse a se repetir, caso um celerado bolsonarista aparecesse por lá.
Felizmente sai dali com o sentimento de que a noção de soberania - fortemente atacada, inclusive por um "representante" do povo, foragido e covarde- é mais do que a afirmação de um poder inalienável e inegociável: é a garantia de que nossa história, nosso destino e nosso futuro, apesar de todas as desigualdades, injustiças sociais, formas hierárquicas inaceitáveis, ausência de republicanismo (inclusive o escolar), é a garantia, repito, de que ainda existem grupos e organizações políticas e sociais (foi um prazer ver ali presente a UNE, a UESPE, a ADUFEPE) que pensam a ideia de Nação, não apenas como povo politicamente organizado, habitando um território e detentor de um passado minimamente comum, mas como a sempre ameaçada certeza de que podemos nos dar a própria norma e assumir a responsabilidade por suas consequências. Ao final daquele evento, foi lido um importante e substantivo documento de defesa daqueles ideais.
E como diria Augusto Coutinho, personagem de "O Santo Inquérito" (Dias Gomes) "há coisas que não podem ser negociadas, nem em troca do Sol!". A SOBERANIA é uma delas...
Flávio Brayner, professor Emérito da UFPE