Jorge Jatobá: Trump taxa o resto do mundo
Governo Trump financia o seu déficit extraindo recursos do resto do mundo, ou seja, transferindo o aumento de impostos de dentro dos EUA para fora

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Usando tarifas como arma econômica e política, o Presidente Trump vem taxando o resto do mundo, causando a maior disrupção na ordem econômica internacional desde a Grande Depressão dos anos 30 do século passado. Entre os objetivos econômicos está promover a neo industrialização dos EUA com resultados duvidosos e prováveis efeitos adversos sobre a economia mundial e sobre os Estados Unidos.
Todavia há um objetivo fiscal nestas iniciativas. A relação Dívida Bruta/PIB dos EUA foi de 124,30%, em 2024, e deverá crescer, segundo projeções, para 124,40%, em 2025 e para 126,8% em 2026. Isso significa que a dívida bruta (US$ 36,475 trilhões) se situa cerca de um quarto acima do gigantesco PIB norte-americano (US$ 29,18 trilhões em 2024).
Quem financia este déficit são os atores econômicos dos EUA (pessoas físicas, bancos, corretoras, fundos de investimento, etc.) e os do resto do mundo, inclusive os da China, o maior detentor dessa dívida. Os títulos da dívida pública americana eram, até há pouco tempo atrás, os mais seguros e confiáveis do mundo. As recentes iniciativas econômicas de Trump abalaram a segurança e o retorno que esses títulos, especialmente o de dez anos (ten years bond) têm no mercado financeiro internacional.
Há duas formas de se financiar o déficit: aumentar a arrecadação e/ou contrair dívida. Dentro dos EUA, o governo Trump quer cortar impostos dos mais ricos e das empresas. Este tem sido o clássico tema do Partido Republicano quando está no poder. A novidade é que, além de outros objetivos duvidosos, Trump quer financiar esse déficit taxando o resto do mundo. Desde abril deste ano, os EUA já arrecadaram US$ 140 bilhões por meio da imposição de tarifas e a maioria delas ainda não entraram em vigor. E as primeiras estimativas são de que a receita proveniente de tarifas tenha a grandeza de trilhões de dólares. Ou seja, o Governo Trump financia o seu déficit extraindo recursos do resto do mundo, ou seja transferindo o aumento de impostos de dentro dos EUA para fora.
Impressiona que a imposição de tarifas, da forma como está sendo feita, à revelia das normas da Organização Mundial do Comércio, sejam realizadas também sem a anuência do Congresso dos EUA. Isso porque os impactos não se restringem ao resto do mundo. Há fortes efeitos adversos internos. A economia americana já está sofrendo as consequências do tarifaço. A inflação está em alta e o mercado de trabalho já evidencia fragilidades na geração de empregos, segundo os dados recentes do Departamento de Trabalho, sobre os quais, Trump que não aceita números negativos, colocou em dúvida, demitindo o chefe da unidade responsável pela elaboração dos dados, fato que retira credibilidade da instituição. O mercado financeiro está precificando essas medidas ao evidenciar instabilidade queda nos últimos dias. Os índices de Wall Street, especialmente o S&P caíram substancialmente. Nas atividades produtivas as incertezas paralisam as decisões de investimentos. Empresas que empregavam mão de obra imigrante, legalizada ou não, perderam seus colaboradores, por medo ou por prisões arbitrárias das autoridades do ICE (Immigration and Customs Enforcement). Esses feitos adversos tendem a aumentar à medida em que as imposições tarifárias e seus efeitos vão se consolidando ao longo do tempo.
A economia mundial, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), mantidas as atuais incertezas, deverá crescer menos em 2025 e nos próximos anos. Uma das razões é que decisões de investimento em clima de guerra comercial aumenta o risco dos empreendedores. E o desemprego pode atingir milhares de trabalhadores, como no caso do Brasil que teve, até agora, a maior tarifa aplicada às suas exportações, fundada não em argumentos solidamente econômicos, mas em razões políticas que interferem no equilíbrio entre os poderes da república brasileira e na soberania do país.
Jorge Jatobá é Doutor em Economia, Professor Titular da UFPE, Ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, Presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE e Sócio da CEPLAN-Consultoria Econômica e Planejamento