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Priscila Lapa e Sandro Prado: Quando o aliado vira ameaça, o tarifaço e o Brasil de 2026

Na nossa percepção, o que está em jogo não é apenas o resultado de 2026, mas a inserção soberana do Brasil no novo tabuleiro geoeconômico global

Por PRISCILA LAPA E SANDRO PRADO Publicado em 28/07/2025 às 6:09

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O Brasil atravessa um momento em que a política reverbera de forma direta e profunda no cotidiano nacional. A pesquisa IPESPE (julho de 2025) captou uma percepção clara: embora o presidente norte-americano Donald Trump ainda encontre bolsões de aprovação entre os brasileiros da ultradireita conservadora ideológica, seu protagonismo internacional é visto com desconfiança pela maioria da população, especialmente após o anúncio do “tarifaço” — um pacote de medidas protecionistas norte-americanas que pretende impor tarifas de 50% a produtos brasileiros. A medida, que poderá entrar em vigor nesta sexta-feira, 1º de agosto, altera os cálculos eleitorais e geopolíticos no Brasil.

De acordo com a pesquisa, apenas 33% dos brasileiros aprovam o governo Trump. Entre os eleitores identificados como de direita, esse apoio salta para 72%, contrastando com a quase rejeição total (98%) entre os de esquerda. Isso revela uma polarização já conhecida, mas com uma análise renovada: enquanto a extrema-direita segue mobilizada, o centro e a esquerda endurecem suas críticas ao republicano. A desaprovação geral a Trump é de 61%.

Mas a questão mais estratégica emerge ao se avaliar o impacto do tarifaço. A pesquisa mostra que 53% dos entrevistados acreditam que a proximidade de um candidato com Trump mais prejudicará do que ajudará nas eleições presidenciais de 2026, sendo essa percepção ainda mais forte entre os eleitores de centro e esquerda. Ainda que parte da elite política conservadora brasileira tenha demonstrado simpatia por Trump, o apoio explícito do presidente norte-americano passa a ser mais um fardo do que um trunfo eleitoral. Mesmo entre os entrevistados de direita, 19% consideram esse apoio prejudicial, e 15% preferem não opinar.

O descontentamento não se restringe a Trump. A atuação do governo brasileiro frente ao tarifaço divide opiniões: 50% aprovam e 46% desaprovam as respostas dadas até agora, números que mostram uma população perplexa diante de uma ameaça externa concreta. A aprovação ao presidente Lula permanece estável, com reações que variam conforme a ideologia, mas com liderança na condução do enfrentamento. Isso também se reflete no apoio à taxação das Big Techs, medida anunciada por Lula como resposta indireta ao ataque comercial dos EUA contra o Brasil: 55% da população apoia a iniciativa.

A análise dos dados torna-se ainda mais relevante quando inserimos o fator “terras raras” no debate. O Brasil detém a segunda maior reserva mundial desses minerais estratégicos (cerca de 25% das reservas mundiais), enquanto os EUA detêm apenas 2,1%. Esses minerais são fundamentais para tecnologias de ponta, como semicondutores, armamentos, satélites e veículos elétricos. Não é coincidência que, ao mesmo tempo em que Trump propõe o tarifaço, o interesse geopolítico sobre os recursos brasileiros seja latente. A retórica protecionista norte-americana, antes camuflada sob o argumento de defesa da indústria local, ficou clara a partir do interesse sobre as terras raras brasileiras, assim como o mesmo interesse na anexação da Groenlândia, oitava maior reserva mundial.

Nesse sentido, o Brasil se vê diante de um dilema das relações internacionais: a medida de Trump rompe com a lógica de parceria e se aproxima de um neocolonialismo mercantil, que reduz o Brasil a fornecedor de commodities e matéria-prima bruta, desconsiderando qualquer tentativa de industrialização, refino ou agregação de valor em território nacional.

A reação de lideranças brasileiras também está sob julgamento público. Segundo o IPESPE, o presidente Lula (50%) e o vice Geraldo Alckmin (42%) obtêm as maiores taxas de aprovação por suas posturas diante da ameaça de Trump com o tarifaço. Já nomes da oposição direta a Lula — como Jair Bolsonaro (32%), Tarcísio de Freitas (32%) e Eduardo Bolsonaro (27%) — ficam bem atrás, evidenciando o descrédito quanto à sua capacidade de defesa do interesse nacional.

Do ponto de vista eleitoral, o nacionalismo econômico costuma ser refúgio dos populistas. Quando esse nacionalismo é terceirizado para um político estrangeiro, como Trump, ele deixa de ser uma ferramenta de soberania e se transforma em um instrumento de submissão. O eleitor brasileiro parece estar, lentamente, percebendo essa contradição. E talvez, nas urnas de 2026, decida separar o discurso de palanque das práticas políticas de submissão e dependência.

Na nossa percepção, o que está em jogo não é apenas o resultado de 2026, mas a inserção soberana do Brasil no novo tabuleiro geoeconômico global. O tarifaço de Trump pode ser o estopim de uma virada de chave: ou o país se posiciona com firmeza, investindo em políticas industriais consistentes, diplomacia ativa e proteção estratégica de seus recursos naturais, ou continuará refém de ciclos históricos de dependência travestidos de parceria.

Em um mundo cada vez mais competitivo, volátil e movido por interesses ocultos sob a máscara da liberdade de mercado, o que definirá o futuro do Brasil é se continuaremos a exportar riquezas e importar bagatelas — ou se finalmente aprenderemos a escrever nossa própria política externa com tinta nacional, e não com a tinta e a caligrafia imperialistas.

Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da FCAP-UPE.

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