Ivanildo Sampaio: Brasil, ame-o ou deixe-o
Mudou o Governo, mudaram-se os bordões, só não mudaram o caráter fraco de alguns políticos nacionais, o olho grande e o espírito ditatorial de Trump

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Durante os cinco anos de Governo do Presidente Jair Bolsonaro, difundiu-se, Brasil afora, um bordão, criado pelos marqueteiros oficiais, conselheiros, seguidores ou simplesmente áulicos, de todas as cores e todas as origens. Dizia o seguinte: “Brasil acima de tudo; Deus acima de todos”. Para eles, era a mensagem perfeita.
Primeiro, com o “Brasil acima de tudo”, enviava-se um recado direto para os militares, que por formação e crença serão sempre defensores da Pátria e todos os seus símbolos, sob quaisquer circunstância ou condições. Com “Deus acima de todos”, a mensagem bolsonarista solidificava nome e propostas entre a população evangélica, o eleitorado menos esclarecido,e onde o Partido dos Trabalhadores e seus candidatos, inclusive o presidente Lula, gozavam de pouco prestígio ou de prestígio nenhum.
Para reforçar tudo isso, existiam as Damares, as Michelles e os pastores congressistas, ocupando as tribunas do Parlamento e o púlpito dos templos evangélicos, com suas Bíblias, Pregações e sacolinhas.
- Com esse “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, Bolsonaro governou por cinco anos; viu o país sepultar mais de 600 mil brasileiros por negar a vacina contra uma pandemia que se espalhou pelo mundo; disse que era Messias “mas não fazia milagres”, incentivou o desmatamento da Amazônia e o garimpo ilegal em terras indígenas; fechou os olhos para “a boiada passar”, como sugeriu um dos seus ministros; afastou antigos apoiadores que poderiam, no futuro, lhe fazer sombra ou concorrência. E isolou-se com seu núcleo duro e seus generais da reserva, forjados nos duros tempos da ditadura militar. No final, como mostraram as investigações da Polícia Federal, ainda tentou um golpe de Estado para continuar no Poder, com o argumento “furado” de que as urnas eletrônicas não eram confiáveis. Mesmo lhe garantindo mandatos seguidos de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Agora está sendo processado por essa tentativa de golpe.
Donald Trump, quando foi derrotado por Joe Biden, tentou a mesma coisa e deu-se mal. Agora, de volta ao Poder, anistiou nos primeiros dias de Governo os criminosos que invadiram e depredaram o Capitólio. Os bolsonaristas querem a mesma coisa aqui no Brasil – com pressão permanente contra o Supremo Tribunal Federal, especialmente contra o ministro Alexandre de Moraes.
Talvez venha daí essa relação tão intima entre Trump e Bolsonaro. Hoje, os fatos mostram que “o Capitão” não conseguiu, sequer, convencer os próprios filhos de um “Brasil acima de tudo”. Ou os incentivou para isso. Muito mais fiel a um antigo bordão da época da Ditadura, que rezava “Brasil, ame-o ou deixe-o”, é, hoje, Eduardo Bolsonaro, o Zero Três.
Policial concursado, deputado federal pelo Estado de São Paulo, eleito com uma votação avassaladora, ele deixou o Brasil. Licenciou-se do cargo e, como ele mesmo disse, foi para os Estados Unidos, trabalhar contra o Brasil. E bajular o presidente dos EUA, que adora áulicos. Portanto, para o Zero Três, “Brasil acima de tudo”, coisa nenhuma.
- As vésperas de vermos entrar em vigor o “tarifaço” de Donald Trump, com os efeitos perversos que isso poderá trazer sobre a economia nacional, – provocando retração, desemprego, falência e desequilíbrio comercial, tanto Eduardo Bolsonaro quanto alguns parlamentares “bolsonaristas”, ateiam fogo às suas gregas vestes, enquanto o circo pega fogo. No Congresso Nacional, numa sessão que avaliava as ameaças de prisão para Jair Bolsonaro, um parlamentar, sem o mínimo de dignidade ou de respeito aos eleitores que o elegeram, aparecia diante das câmeras com uma camisa estampando uma foto de Donald Trump. Usou também um boné. Talvez por simpatizar com o estilo do presidente dos EUA.
São políticos como esse que enojam quem tem um mínimo de dignidade; que levam Trump a achar que pode interferir no Poder Judiciário brasileiro; nas suas relações internacionais, na vida interna do País. Trump, de olho grande em minérios estratégicos que o Brasil armazena, joga sujo – e não esconde isso..
Mas, apesar de todos os seus erros, o presidente Lula não recuou, apesar da timidez de nossa diplomacia, o Brasil vem resistindo. De outra parte, fosse a Câmara Federal uma instituição que merecesse de fato o respeito e a admiração do povo brasileiro, esse deputado “lambe-botas” do presidente norte-americano seria cassado por falta de decoro. Foi por ter posado para uma fotografia, de cueca e smoking, numa ambiente fechado, que o deputado carioca Edmundo Barreto Pinto perdeu o mandato. Uma camisa com a foto de Trump, vestida por um político na sede do Parlamento nacional, é muito mais imoral do que qualquer cueca suja embalada num couro de bode.
Enfim: mudou o Governo, mudaram-se os bordões, só não mudaram o caráter fraco de alguns políticos nacionais, o olho grande e o espírito ditatorial de Donald Trump, largamente apoiado pelo eleitorado conservador norte-americano. E com seus fãs invejosos no Brasil.
Mas, só nós resta espiar nossas culpas, pois é grande a quota que nos cabe. Deputados e senadores que no Congresso se sentam, lá como aqui, foram escolhidos pelo povo. Para trabalhar contra o país, vestir camisas com o rosto de um político estrangeiro que tenta assaltar nossos minerais estratégicos, defender um ex-presidente que foi afastado pelo voto do povo, e cuja decisão soberana ele não quis aceitar.
Ivanildo Sampaio é jornalista