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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire: O STF e a interrupção da erosão da democracia

Ao cumprir suas atribuições, o STF, então, comete perseguição? Ora, por que? Não! A Corte faz o que dela se espera: defesa infatigável da Constituição

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 27/07/2025 às 6:11

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Previsto desde a Constituição de 1891, o STF vem recebendo críticas insistentes, nem sempre polidas, sobre o tema da liberdade de expressão. É aonde “a coisa pega”. Dita franquia acaba refém de certa dubiedade à moda Jekyll e Hyde: por alguns é vista como absoluta, sem o que não haveria democracia real; por outros, como submetida a freios e contrapesos no interesse da maioria.

Ao cumprir suas atribuições, o STF, então, comete perseguição? Ora, por que? Não! A Corte faz o que dela se espera: a defesa infatigável da Constituição, ao reafirmar que, acima dos deveres exigidos pela ordem constitucional a cada indivíduo, poderoso ou não, nada e ninguém se sobrepõe.

Só para contextualizar, antes do 8/1/2023, houve: 1) tentativa de invasão da sede da Polícia Federal em Brasília; 2) tentativa de explosão de bomba nas imediações do aeroporto de Brasília, e; 3) rede de aglomerações em frente a unidades das Forças Armadas clamando por intervenção militar. O que deveria fazer o Judiciário, instado à proteção do princípio republicano?

Se ao magistrado ou ao Tribunal é lícito tomar decisões duras, impopulares até, não se dobrando a pressões externas, inclusive, da opinião pública, mas à letra da lei, é certo que deve e tem de evitar, pela mesma régua, enxergar a defesa técnica como entrave. As decisões precisam ser aptas a acatamento mesmo por quem delas divirja, eis que o Judiciário funciona também para ser contramajoritário, mas julgamentos sumários não. Esta é sempre a fórmula.

Nessa linha, em editorial de 14/10/2022, o Migalhas sustenta, com razão, que uma adequada reflexão sobre o Supremo “deve buscar o aperfeiçoamento da Corte e seu livre funcionamento”, e não “ser coação sobre ministros ou o atropelamento de suas competências”. Acrescenta: “Por mais equivocada que possa ser, nenhuma decisão judicial é motivo para pedir o fechamento do Supremo ou a redução da autonomia do Judiciário”. E encerra: “A crítica deve fortalecer a institucionalidade e não a atacar”.

Tem sido alto o preço pago pelo STF pela resposta ao extremismo que desaguou no 8/1/2023 e que ainda continua a mostrar os dentes. Mas são os ossos do ofício de quem abraça a toga máxima. Quando anulou excessos da Operação Lava Jato e avançou nos desdobramentos deles, a Corte atraiu o melhor e o pior das pessoas à sua porta, que o acusaram de promover a impunidade, o que foi alimentado em uma atmosfera polarizada que só fez piorar.

Ao enfrentar a indústria das “fake news”, impôs responsabilidades às redes sociais, antes vistas como zonas inexpugnáveis, dentro do guarda-chuva do Inquérito 4.781, aberto em 2019 com lastro no artigo 43 do seu Regimento Interno. A constitucionalidade do Inquérito em tela é de há muito preclusa. Todavia, não preclusa é a convicção de que, seis anos depois, prevenida a ruptura almejada, denunciados os conspiradores, já sentenciados alguns dos executores, é hora de retirar o Supremo do olho do furacão.

A resultante disso, porém, não envolve anistia. Primeiro porque ninguém nos fatos julgados estava abduzido ou delirando. Segundo porque é preciso ser intolerante com o intolerante ou os bons perdem. Terceiro porque é crucial aprender algo de útil com a experiência histórica para não repetir erros, o que impõe citar o vizinho argentino eternizado nas palavras proferidas em alegações finais pelo promotor Júlio César Strassera, interpretado pelo magnífico Ricardo Darín no filme de 2022 “Argentina, 1985”. Hoje e sempre: “Nunca mais”.

Ao contrário do que a ignorância útil alardeia, a qualidade do labor de um Tribunal não se mede em pesquisas de popularidade. Não é dado invocar a garantia constitucional para negar a democracia ou torcê-la ao seu alvedrio. Puxar o freio, chamando a lide à ordem, não é censura prévia. É autodefesa.

Finalizo valendo-me do corajoso editorial do Migalhas de 14/10/2022, quando assim se encerra: “Uma crítica, às vezes, contundente e dura, mas que sempre é diálogo, sempre é respeito ao interlocutor, sempre é compromisso com o livre exercício jurisdicional” aponta para o único caminho redentor. Eis aí a mais resiliente das certezas. Do mais, o receituário democrático dá conta.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire é advogado

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