Otávio Santana do Rêgo Barros: Ilusões melianas
Apesar dos desafios já postos — e dos que certamente virão —, os fatos empurram as nações, não apenas as mais poderosas, a trilhar novos caminhos

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Em meu último artigo aqui no Jornal do Commercio, comentei sobre a 1ª Jornada de Estudos Estratégicos, evento promovido pelo Estado-Maior do Exército no dia 22 de julho, cujo objetivo foi discutir o sistema internacional atual e suas implicações para a segurança e a defesa nacionais.
Cerca de 900 pessoas acompanharam o evento, entre participantes presenciais e virtuais — incluindo audiências em países como Angola, Austrália, Canadá, Equador e Estados Unidos, além de representantes de 25 unidades da federação.
Os palestrantes — Professor Doutor Alcides Vaz (UnB), Doutor Pedro Barros (IPEA) e Professor Doutor Sandro Moita (ECEME) —, todos de reconhecida excelência no meio acadêmico, foram, sem dúvida, um dos atrativos para o público. Ainda assim, a organização se surpreendeu com o interesse despertado.
A conclusão é inevitável: são os hormônios geopolíticos dos novos tempos, que sacodem um mundo PSIC — precipitado, superficial, imediatista e conturbado — e exigem da sociedade uma atenção genuína a um tema árido, pouco presente nas “conversas de mesa de bar”.
Creio oportuno destacar algumas ideias que, entre tantas, marcaram as exposições dos palestrantes. Importa ressaltar tratar-se aqui de uma leitura pessoal, compartilhada de forma transparente para avaliação do público leitor.
Na fala do Professor Doutor Alcides, sobressaem: a ordem internacional forjada no pós-Segunda Guerra Mundial já se reconfigurou; o multilateralismo, como forma institucional das relações entre países, perdeu força; a perda da primazia dos Estados Unidos teve início na Segunda Guerra do Golfo; e, por fim, vivemos hoje um vácuo de poder global, com grandes potências tentando restabelecer o status quo por meio da imposição, da expansão e do unilateralismo.
Quanto às ideias do Doutor Pedro Barros, destaco: a frágil interdependência entre os países da América do Sul; o surpreendente número de apenas 20 pontes internacionais ligando o Brasil aos seus vizinhos; o fato de o Brasil ser o principal parceiro comercial de apenas dois países no mundo; e, por fim, a lembrança — digna de um tabuleiro de WAR — de que é preciso união regional para projetar influência além do continente.
Já o Professor Doutor Sandro Moita chamou atenção para: o aumento exponencial dos gastos militares ao redor do mundo, sinalizando que o poder bélico volta a ganhar centralidade na resolução de conflitos; a presença crescente de empresas civis diretamente envolvidas nas operações militares modernas; e a constatação de que vivemos um tempo de “não guerra e não paz” — algo próximo a um cenário de Mad Max, com armas supostamente artesanais invadindo os campos de batalha.
Apesar dos desafios já postos — e dos que certamente virão —, os fatos empurram as nações, não apenas as mais poderosas, a trilhar novos caminhos. No horizonte daquelas genuinamente preocupadas com o destino da carruagem, emergem oportunidades para revisões profundas de conceitos como Estado-Nação, Soberania, Defesa, Ordem Mundial, Integração, Segurança Alimentar, Segurança Ambiental, Segurança Energética, Globalização, entre outros.
Já não há mais espaço para ilusões melianas de que os conflitos se resolverão apenas com discursos. Os atenienses modernos insistem em repetir: “os fortes fazem o que podem, e os fracos sofrem o que devem”. Em versão mais crua: faço porque posso!
É fundamental que a sociedade compreenda as transformações nas relações entre os Estados — afinal, será ela a mais diretamente impactada. Seu apoio àqueles que se dedicam a defendê-la contra antagonismos de toda ordem torna-se cada vez mais essencial à construção da nossa segurança.
Os militares, por essência profissional, são os maiores defensores da paz — até porque conhecem, como poucos, o horror da guerra.
E, por isso, não fecham os olhos para o mundo instável que já se apresenta. Sabem da responsabilidade de alertar aqueles que protegem quanto aos riscos a enfrentar em futuro próximo.
É igualmente imprescindível que as lideranças, em todos os campos do poder, se disponham a estudar com seriedade esse cenário internacional volátil, com vistas à construção de um projeto de Estado de longo prazo, que aponte caminhos seguros para o país, independentemente da tendência política do governo de plantão.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva