A dupla celebração da Missa do Vaqueiro
A Missa do Vaqueiro, que é Patrimônio Imaterial de Pernambuco, surgiu em 1971, para homenagear o vaqueiro Raimundo Jacó, assassinado em 1954.

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Conta a lenda do sertão que ele foi morto pelo amigo Miguel Lopes, por inveja, quando resgatou uma novilha sumida no mato. O caso nunca foi esclarecido pela polícia, criada pelo padre João Câncio, poeta Pedro Bandeira e do primo de Raimundo Jacó, Luiz Gonzaga. O cantor e compositor eternizou a história do primo na música "A Morte do Vaqueiro", que tem a composição de Nelson Barbalho. O Rei do Baião sempre esteve presente na festa. A Missa é celebrada no local onde foi encontrado o corpo de Raimundo Jacó, mas as festividades também contam com shows de artistas regionais, aboios e a pega do boi. "Eles decidiram celebrar a missa em protesto contra as impunidades. Em terra de coronel, era comum o mais forte prevalecer", conta Helena Câncio, viúva do padre e atual organizadora do evento - o casamento afastou João Câncio da batina em 1980.
Neste ano, surgiu uma confusão. A Prefeitura de Serrita decidiu fazer sua própria Missa do Vaqueiro, uma semana antes, no domingo passado, que teve a presença de Raquel Lyra, Priscila Krause, João e Pedro Campos. Já a Fundação Padre Câncio fará o evento no próximo domingo, organizado por Helena Câncio, viúva do criador do evento no Parque Estadual João Câncio e será celebrada pelo Padre Antônio Maria, com a participação musical de Anastácia e de Daniel Gonzaga, filho de Gonzaguinha e neto de Luiz Gonzaga.
A Missa do Vaqueiro, uma das mais belas manifestações culturais e religiosas. Infelizmente, vem perdendo sua força, com a divisão em dois dias. Estive em várias delas, quando era um evento único, sempre em comitivas dos governadores, que nunca deixaram de ir e traziam convidados importantes. Vários presidentes da Embratur e ministros do Turismo vieram para o evento. Em anos de eleição, então, era enorme o número de candidatos, a prefeito, deputado ou vereador, que aproveitavam para se aproximar do governador. Quando foi secretário da Indústria, Turismo e Esportes, Cadoca Pereira deu dimensão nacional ao evento. Trouxe jornalistas dos principais jornais do país. Resultado é que a Missa ganhou enormes espaços, incluindo fotos na primeira página, no "Jornal do Brasil", "O Globo" "Folha de São Paulo" e "O Estado de São Paulo", além de revistas de turismo.
O vaqueiro Raimundo Jacó que virou lenda no sertão, morreu assassinado há 70 anos. "Era destemido para pegar o gado, para montar em burro bravo", A notícia da morte foi sentida por todos, era o vaqueiro mais falado. Para as novas gerações, Raimundo Jacó continua sendo uma influência forte. "Era um vaqueiro de muita coragem, de raça, que foi cruelmente assassinado. Também era conhecido como Raimundo Aboiador ou Raimundo Doido. Ele era muito respeitado por sua voz ao tanger e atrair o gado, além de sua habilidade em capturar o animal fugido. No Crato e em Juazeiro do Norte, o vaqueiro gostava de beber e arrumar confusão, mas era querido por todos. Seu companheiro fiel, um cachorro chamado Brasileiro, esteve ao seu lado até o fim de sua vida e após a sua morte. O vaqueiro foi encontrado morto com uma pancada na cabeça e seu cão permaneceu no seu túmulo, onde também morreu. "Ninguém aboiava bonito como ele. Quando ele começava a aboiar, o gado chegava perto", conta Pedro Bandeira.
"Onde tinha um boi perdido, ele ia montado ou em pé, levava o cachorro, o chocalho, a corda de laçar, entrava na caatinga e só voltava com o boi amarrado", afirma o repentista Pedro Bandeira no filme "Missa do Vaqueiro", de Wagner Indaiá. Reconhecido na região como um encantador da boiada, Jacó passou a representar a bravura do sertanejo diante das dificuldades do sertão.
A Missa acontece sob o sol e a poeira do sertão de Pernambuco, começando com uma procissão onde em torno de mil vaqueiros chegam a cavalo para a cerimônia religiosa, no Sítio das Lajes. Enquanto os vaqueiros se acomodam na arena em forma de ferradura, um coral entoa no altar uma sequência de aboios -as cantigas de boiadeiros
Um dos momentos mais emocionantes da celebração é o ofertório, quando os vaqueiros, montados em seus cavalos e vestidos com gibões, chapéus de couro e botas, se dirigem ao altar para oferecer seus instrumentos de trabalho, como cela, peitoral, chicote e chocalho e outras 15 peças que fazem parte do traje dos vaqueiros. Também são feitas doações em dinheiro, tradicionalmente coletadas no chapéu de couro dos vaqueiros.
Comungam com queijo coalho, rapadura e farinha de mandioca. A liturgia segue as "Rezas do Sol", conjunto de mensagens, orações e canções compostas por Janduhy Finizola que expressam a religiosidade do nordestino. Os vaqueiros acompanham as duas horas de cerimônia em seus cavalos e rezam em coro: "Pai nosso que estais nos céus do sertão/ santificado quem sobre este chão/ sertanejo faz oração/ é sofrido e vivido de solidão/ nas quebradas nos tabuleiros/ só pensa que a vida está sem razão".
A Missa do Vaqueiro vem enfrentando desafios em sua organização e identidade. No ano passado teve até uma proposta de alteração no nome da celebração para Festa de Jacó, gerando críticas da Fundação Padre Câncio, que vê a mudança como uma ameaça à tradição original. Felizmente o nome original foi mantido e no próximo domingo acontece a missa verdadeira, segundo Helena Câncio.
João Alberto Martins Sobral. editor da coluna João Alberto no Social 1