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Do Apartheid ao Racismo Velado: as lições de Nelson Mandela na luta contra o racismo estrutural brasileiro

A experiência sul-africana exigiu uma reconstrução profunda. Liderado por Nelson Mandela, o país implementou um projeto de reconstrução nacional

Por Ana Cristina da Silva, Dayse Cabral de Moura Publicado em 22/07/2025 às 7:00

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A luta contra o racismo estrutural é um desafio comum a muitas sociedades, ainda que cada uma o tenha construído por caminhos distintos. Na África do Sul, o racismo foi institucionalizado pelo Estado por meio do apartheid, que negou à população negra os direitos civis mais básicos por quase meio século. No Brasil, a violência racial se camuflou sob a ideia de miscigenação e da suposta “democracia racial”, criando um modelo sutil e persistente de exclusão.

A experiência sul-africana exigiu uma reconstrução profunda. Liderado por Nelson Mandela, o país implementou um projeto de reconstrução nacional baseado no não-racialismo e no multiculturalismo. Ao enfrentar de forma direta as marcas do apartheid, a África do Sul reconheceu a diversidade étnica e buscou uma cidadania verdadeiramente inclusiva.

No Brasil, o caminho foi oposto. Após a abolição da escravidão, em 1888, não houve reparações. Ao contrário: consolidou-se uma ideologia que negava o racismo ao mesmo tempo em que o naturalizava. A esse fenômeno, Lélia Gonzalez chamou de “racismo por denegação” — um sistema que invisibiliza a desigualdade, mantendo pessoas negras e indígenas em posição subalterna enquanto o padrão branco é tratado como referência universal.

O racismo brasileiro é de marca: atua sobre aparências físicas como cor da pele, cabelo e traços faciais. Manifesta-se por meio de estigmas, exclusão simbólica e critérios subjetivos como “boa aparência”, operando nas relações sociais, no mercado de trabalho, na mídia e no acesso à educação e justiça. Apesar da ausência de leis segregacionistas, o racismo está profundamente enraizado.

As consequências, tanto no Brasil quanto na África do Sul, são convergentes: a perpetuação de profundas desigualdades sociais. No Brasil, a cor da pele ainda define o acesso a direitos, oportunidades e dignidade. Por isso, as lições de Mandela são tão urgentes.

O legado de Mandela nos convida à ação. Para superar o racismo estrutural, é preciso:
Reconhecer o problema: Admitir que o racismo existe e estrutura a sociedade brasileira.
Implementar políticas concretas: Cotas, ações afirmativas, inclusão produtiva e representatividade negra em todos os espaços.

Transformar a educação: Uma educação antirracista que valorize a diversidade e desconstrua preconceitos desde a infância.

Promover mudança cultural: Meios de comunicação, empresas e instituições precisam rever seus padrões e abraçar a pluralidade.

O Brasil precisa romper com o silêncio, reconhecer as desigualdades raciais e enfrentá-las com coragem. Assim como a África do Sul teve que se reinventar para construir uma nação democrática, o Brasil também deve reestruturar seus fundamentos — não apenas legais, mas também simbólicos e culturais — para garantir que a igualdade seja real, vivida e compartilhada por todos.

Ana Cristina da Silva
Juíza do Trabalho do TRT6, Mestra em DH pela UFPE.

Dayse Cabral de Moura
Professora Associada do Departamento de Ensino e Currículo da UFPE, Mestra e Doutora pela UFPE

 
 

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