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Como a IA pode quebrar vícios de pensamento e despertar criatividade

O maior risco da inteligência artificial não é que ela pense por nós — é que a gente continue pensando como sempre pensou tendo esta aliada.

Por FERNANDO TECO SODRÉ Publicado em 10/07/2025 às 0:00 | Atualizado em 10/07/2025 às 11:29

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Vivemos tempos de mudanças rápidas, mas nossa mente... essa nem sempre acompanha. Um dos grandes desafios está dentro da nossa cabeça: o Einstellung effect. Esse nome difícil descreve algo simples, mas perigoso — a tendência de resolver problemas com soluções que conhecemos, mesmo quando há alternativas melhores bem diante de nós. São os atalhos mentais do nosso cérebro evolutivo que nos levam a seguir o caminho mais familiar, mesmo que ele seja menos eficiente ou criativo do que uma nova rota inexplorada.

As inteligências artificiais se apresentam como um antídoto poderoso. Sejam elas do tipo generativa, modelos LLM, agentes inteligente de aprendizado de máquina, visão computacional ou redes neurais profundas. Elas não têm passado. Não têm vícios mentais. Não se agarram a padrões antigos. Pelo contrário: elas aprendem com o novo e nos mostram novas rotas. Uma IA pode não apenas resolver o problema, mas fazer a pergunta certa. E às vezes, isso muda tudo.

A grande mágica da IA está justamente em nos fazer pensar diferente. Ao interagir com esses sistemas, somos desafiados a reimaginar tarefas, processos, ideias. Podemos superar desafios que antes pareciam chatos ou insolúveis, não porque a IA nos substitui, mas porque ela nos estimula. Ela se torna um colega incansável — que não se cansa de rascunhar relatórios, fazer aquela planilha complicada ou buscar padrões invisíveis em dados que já nem olhávamos mais. Um copiloto que nunca reclama da tarefa que mais odiamos.

Ao nos liberar das tarefas repetitivas, exaustivas e dos vícios do pensamento automatizado, uma IA devolve a nós, humanos, tempo e energia mental para o que fazemos de melhor: aplicar nossa empatia, exercer julgamento complexo e ético, inovar, criar e dedicar nosso cuidado e presença onde eles são insubstituíveis.

Pense no cotidiano: alguém tentando entender um contrato ou um processo judicial complexo. A linguagem é inacessível, o medo paralisa. Agora imagine um agente digital ao seu lado, traduzindo, explicando, sugerindo o próximo passo — como um conselheiro silencioso e acessível. O que antes era motivo de angústia vira empoderamento. E mais: vira ação. Agora leve isso para dentro de casa. Um pai ou mãe tentando ajudar o filho numa lição de casa sobre algo que já esqueceu. Ao invés da frustração ou do "espera a sua mãe chegar", entra em cena uma IA paciente, didática, que ensina de forma adaptada, lúdica. Ela reforça a conexão entre gerações. Não é sobre substituir o carinho — é sobre liberar energia para que ele aconteça com mais presença.

E o criador? O músico, o designer, o arquiteto. Aquela ideia que não chega, a folha em branco que assusta. A IA vira parceira criativa. Sugere acordes, oferece variações, provoca. Como um mentor de inspiração, ela expande o repertório — e desafia a mesmice. A criação deixa de ser um processo solitário para se tornar uma conversa com o desconhecido. O novo surge. E o impacto cresce. Pense em um médico, sobrecarregado por dados, pressões, prontuários. A IA atua como radar, alerta, lupa. Ela aponta riscos ocultos, propõe caminhos alternativos, economiza minutos preciosos. Mas mais importante: devolve ao profissional a chance de ser o que ele é por vocação — humano, presente, cuidador.

E se tudo isso parecer distante, pense nas pequenas tarefas que te esgotam: formatar um relatório, buscar inconsistências em números, agendar reuniões, lidar com repetições. Agora imagine ter uma IA de estimação — adestrada por você — que aprende seus padrões, antecipa suas demandas e executa o que você não gosta de fazer. Como um assistente leal que nunca falta, não cansa e só melhora com o tempo. Essa é a chave: a IA pode ser moldada para nós, com nossos aprendizados, escolhas, nosso estilo. Um espelho que aprende com a gente e devolve um reflexo ampliado — mais produtivo, mais criativo, mais livre do que já fomos um dia.

E se tudo isso parece futurista, talvez seja hora de olhar para trás. O psicólogo Abraham Luchins, na década de 1940, deu nome ao Einstellung Effect justamente num momento em que o mundo sofria com as consequências mais brutais do pensamento rígido: a Segunda Guerra Mundial. A palavra alemã "Einstellung" significa atitude, mentalidade — e Luchins nos alertou sobre como padrões mentais fixos podem ser perigosos. Agora imagine se, naquela época, houvesse uma tecnologia capaz de mostrar novas perspectivas, desafiar certezas absolutas e romper automatismos destrutivos. Talvez a história tivesse sido outra.

Afinal, o maior risco da inteligência artificial não é que ela pense por nós — é que a gente continue pensando como sempre pensou tendo esta aliada. O futuro não pertence às máquinas, mas às mentes que ousarem reconfigurar sua própria Einstellung.

Fernando TECO Sodré , especialista em Inteligência Artificial, cientista da Computação e conselheiro da AMCHAM para Inovação e Software

 

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