UFPE: 200 anos
A UNIVERSIDADE é um dos poucos lugares que nos permite nos afastarmos da vida ordinária para pensá-la com olhos "estranhos" ...............

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Estou tendo o altíssimo privilégio de participar da Comissão organizadora dos 200 anos da Universidade Federal de Pernambuco, que ocorrerá no ano de 2027, quando fará 200 anos da fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil, iniciado em agosto de 1827 em Olinda (Mosteiro de São Bento). Foi também em Olinda, 27 anos antes (1800) que teve início, sob os auspícios do Bispo Azeredo Coutinho, o Seminário Jesuíta de Olinda, que introduziu as ideias iluministas entre nós, tendo o Frei Miguelinho pronunciado o discurso de inauguração (Frei Caneca dava aula de Geometria). É curioso que o Iluminismo, entre nós, tenha sido introduzido pela... Igreja, a mesma que Voltaire chamava de "infame" e que era preciso "esmagá-la"! Como se não bastassem as "ideias fora de lugar" (nossos "liberais" eram escravistas!), temos também a honra de ser o país em que as ideias são introduzidas por inesperados agentes!
Mas desde a Revolução do Porto (1821), e com a instalação das Cortes de Lisboa, que os representantes brasileiros (falo de Muniz Tavares) já propuseram a instalação dos cursos jurídicos no Brasil. Assim, o que estava em jogo naquela instalação era a afirmação de um projeto de Estado Nacional, com um corpo autônomo de pensamento jurídico. Que nossa UFPE comemore sua "fundação" naquela data (11 de Agosto de 1827), isso demonstra, de forma eloquente, o papel que exerce uma Universidade na formação de um corpo nacional e de um projeto coletivo.
A pergunta, claro, que essa comemoração terá que responder é "PARA QUE SERVE UMA UNIVERSIDADE?"
A reunião de que participei, levantou um conjunto de cinco predicados que o projeto dos 200 anos deve considerar: a) INTEGRADOR (a ideia de pertencimento à sociedade); b) ABRANGENTE (envolver diferentes atores e agentes sociais e culturais); c) GENEROSO (o dever moral de servir à sociedade): d) GRATIDÃO (em relação à própria comunidade acadêmica); e) DEMOCRÁTICO (o espaço de discussão de ideias e de garantia do pensamento autônomo e crítico). Foi proposto um amplo conjunto de eventos, celebrações, efemérides, cerimônias, seminários e exposições para, a partir de agora e culminando em 2027, a ser realizado pela nossa instituição.
Muito mais do que portos ou aeroportos, o que faz uma cidade "universal" é sua UNIVERSIDADE: é ali, onde o MUNDO lhe penetra sob a forma de ideias, heranças e projetos, capazes de oferecer à sociedade inclusiva respostas às questões que o tempo, os atores sociais e as circunstâncias históricas impõem. A Universidade, mais do que um lugar para aonde se vai obter um diploma ou uma certificação profissional, é um lugar de "distanciamento", é ela que promove a PLURIDIMENSIONALIDADE da vida social. O que isso significa?
Nós vivemos o cotidiano de nossas existências ordinárias imersos naquilo que alguém já chamou de "facticidade da vida", preocupados com a reprodução da existência, ganhar dinheiro, sobreviver, repetir todos os dias a mesma coisa, quase nunca parar para refletir sobre o sentido e o significado do que fazemos, respondendo às solicitações do mundo com respostas prontas e automáticas, e sabendo que temos um tempo finito para realizar "coisas" e obter um sentido para a existência, o que é fonte inevitável de angústia! Uma vida vivida dessa maneira, colada à pura sobrevivência e reprodução, é uma vida UNIDIMENSIONAL, em que encontramos poucas reservas espirituais e intelectuais para pensá-la "de fora", reflexionar, vermo-nos, a nós mesmos, com outros olhos, compreender o que fizeram de nós e o que nós fazemos daquilo que fizeram de nós!
A UNIVERSIDADE é um dos poucos lugares que nos permite nos afastarmos da vida ordinária para pensá-la com olhos "estranhos": seja através de uma teoria, de um poema, de uma peça de teatro, de uma música, de um conceito, de uma história, de uma descoberta...: ali nós nos encontramos com vivos e com... mortos! A Universidade é também esse lugar em que nós não deixamos que nossos mortos - aqueles que ampliaram substantiva e adjetivamente, nossa frágil condição humana- sejam esquecidos. É um lugar de ENCONTRO em que, num mesmo ESPAÇO, estão presentes TEMPOS diferentes. E ao fim de uma aula, de um seminário, de um curso, nós não seremos mais a mesma coisa que éramos ao entrar. Ali, naquele lugar, instala-se em nós um MODO DE VIDA, um modo de encarar a vida.
Sustentada por um tríptico (Ensino, Pesquisa e Extensão), a Universidade propõe saberes que se transformam em conhecimentos elaborados, divulga tais saberes, e se abre para a sociedade para que ela proponha novas questões que, por sua vez, obterão novas respostas (científicas, estéticas, teóricas, pedagógicas...).
Coordenada pelo Reitor (e meu amigo) Alfredo Gomes, espero que esse lapso de tempo que nos separa de 2027, seja preenchido com a lembrança histórica do que uma Universidade representa na constituição de uma razão pública, de um projeto nacional e de uma virtude propriamente republicana.
Flávio Brayner , professor Emérito da UFPE (com muito orgulho!)