Jones Figueirêdo Alves: Os problemas de um ego imenso
Na tragédia grega, o ego desmesurado leva à caída trágica (peripeteia) e à purificação via sofrimento (catarsis)

Existem pessoas que se posicionam, vida inteira, como estando a dizer: “Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo". O “ego” exacerbado tem sido problema, não apenas da pessoa jactante, mas de todos aqueles que dela possam ser influenciadas, vítimas de manada.
Há uma anedota que diz que o argentino se suicida, subindo em cima do seu “ego” e depois “pula lá de cima”.
Um ego imenso, embora às vezes confundido com autoconfiança ou autoestima elevada, é, na verdade, um desequilíbrio na percepção de si mesmo em relação ao mundo e aos outros. Discutir seus problemas é refletir sobre as consequências psíquicas, sociais e existenciais de uma autoimagem inflada, que busca validação constante, domínio e centralidade.
O ego inflado é frequentemente sintoma de inseguranças profundas recobertas por uma couraça de superioridade. Em termos freudianos, o ego deveria mediar entre os impulsos do “Id”, as exigências do “superego” e a realidade externa. Quando ele se agiganta, rompe esse equilíbrio.
Nessa perspectiva, tem-se o narcisismo, onde o sujeito passa a se ver como o centro de tudo, exigindo admiração contínua e sendo incapaz de lidar com críticas. Os relacionamentos tornam-se instrumentos de validação, não de afeto genuíno. Segue-se um verdadeiro isolamento emocional com uma dissonância interna, onde em algum momento, a realidade confronta o ego com a verdade da própria limitação, gerando crises profundas.
O ego imenso é o contrário da humildade socrática. Enquanto Sócrates dizia “só sei que nada sei”, o ego inflado diz “sei tudo e sobre todos”. Daí surge a autoidolatria, que transforma o “eu” em um ídolo, cego ao transcendente, ao mistério, à alteridade. O problema filosófico que dela decorre é o impediente de um diálogo real com o outro, pois não há escuta – só imposição.
O ego desmedido compromete relações pessoais, profissionais e políticas, diante das falsas conexões, quando os vínculos se tornam performáticos, voltados a alimentar o prestígio do ego; e toda divergência é interpretada como ameaça pessoal, não como debate de ideias. Bem por isso, as lideranças autoritárias decorrem de o líder ególatra se cercar de bajuladores, rejeitando críticas construtivas.
Diversas tradições espirituais veem o ego excessivo como um obstáculo à verdade e à paz interior. De fato, há um fracasso espiritual, porquanto um ego inflado busca sentido no aplauso e no domínio, não no amor, no serviço ou na verdade — e por isso, é sempre insatisfeito, o espírito em desolação.
Diversos personagens históricos notabilizaram-se por ostentar um ego desmedido; caracterizado por sede de poder, autoidolatria, aversão à crítica e dificuldade de reconhecer limites. Em muitos casos, esse traço foi causa de tragédias pessoais e coletivas.
Conquistador notável, Júlio César (100–44 a.C.) acumulou poderes extraordinários sob a república romana, desafiando normas do Senado ao atravessar o Rubicão com tropas. Grandiosidade maior foi a do seu ego, mandando construir, em vida, estátuas em sua homenagem. Foi assassinado por senadores temerosos de sua ambição imperial.
Ainda na Antiguidade, outro conquistador brilhante, Alexandre, o Grande (356–323 a.C.), tomado pela ideia de divindade, acreditava ser filho de Zeus. Após sua morte precoce, o império desmoronou.
Napoleão Bonaparte (1769–1821), embora brilhante estrategista, seu próprio orgulho o levou ao exílio e à ruína. Autoproclamou-se imperador, coroando a si mesmo (1804). Ao tentar dominar a Europa inteira, subestimou limites geográficos e logísticos (como na invasão da Rússia).
Exemplo trágico é o de Adolf Hitler (1889–1945), com seu ego messiânico, delírios de grandeza e destino. Produziu sua autoimagem como salvador da Alemanha, idealizando o Terceiro Reich como império de mil anos. Levou o mundo à guerra e à destruição da própria nação, com o culto à sua pessoa.
Luís XIV, da França (1638–1715), denominado o “Rei Sol”, em personificação da monarquia absolutista, ao professar a assertiva de "L'État c'est moi" (“O Estado sou eu”), também exigia culto pessoal em torno de sua figura. Mandou construir Versailles como símbolo de sua centralidade. Os seus excessos do “ego”, criando uma corte vaidosa e decadente, contribuíram, decididamente, para a Revolução Francesa.
Despiciendo citar os atuais líderes idólatras na temerária escalada do poder ditada pelo ego imenso.
Na tragédia grega, o ego desmesurado leva à caída trágica (peripeteia) e à purificação via sofrimento (catarsis). Em “Édipo Rei” (Sófocles), Édipo tenta dominar o destino com a razão e paga com a própria cegueira. E Agamenon (Ésquilo), ao sacrificar a filha em nome da glória militar, revela a hybris de quem se crê acima da moral.
Em literatura, na “Divina Comédia” (Dante Alighieri) os orgulhosos carregam grandes pedras nas costas, olhando para o chão, em contraposição à arrogância de terem vivido com o queixo erguido. O ego precisa ser rebaixado, para alcançar a elevação espiritual.
Macbeth (de Shakespeare), guiado pela ambição e pelo desejo de glória, assassina por poder e mergulha na loucura. Convém lembrar a frase célebre (Rei Lear): “I did her wrong” – só na ruína o ego se dissolve em lucidez.
Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista.