Frei Caneca, bravura e literatura
Frei Caneca viverá enquanto vivermos e enquanto formos dignos do seu passado histórico. Ele está vivo, apesar de morto há mais de 200 anos!

Este 2 de julho registra os 201 anos da Confederação do Equador, que teve frei Caneca como herói e mártir, também herói de 1817, consagrado por sua obstinação pelo ideário de liberdade, a sua grande causa.
Caneca, que enalteceu Dom Pedro I pelo gesto romântico da independência, voltou-se contra o autoritarismo do imperador, notadamente quando este dissolveu a Assembleia Constituinte e outorgou à Nação brasileira a sua Constituição.
O Governo do Estado, que, através da vice-governadora Priscila Krause, coordenou as ações da Comissão do Bicentenário da confederação do Equador, pode dizer que cumpriu com o seu dever de cultuar a memória do seu herói maior e a de tantos outros que se doaram à causa.
Na programação ainda consta o assentamento, na Praça da República, da estátua, de autoria de Demetrius, de frei Caneca, numa justa e merecida homenagem.
Daqui, deste meu canto, enalteço a iniciativa que teve a decisão da governadora Raquel Lyra, mais uma vez demonstrando o pendor de sua pernambucanidade, a sua preocupação em levar à sociedade e aos nossos estudantes o conhecimento da história de Pernambuco, ainda muito desconhecida de todos.
Sou, como já declarei neste canto de página, um devoto de frei Caneca, tendo recolhido do meu pai, Nilo Pereira, as mais belas lições de amor ao nosso passado histórico-cultural, além do seguinte depoimento:
"Frei Caneca é um dos mais altos representantes da nossa invicta e leal pernambucanidade."
Sem medo e sem descanso, nosso herói carmelita enfrentou todos os riscos e perigos, até ser condenado à forca, escapando da tirania das cordas, porque os carrascos de Dom Pedro I se negaram à brutalidade da trucidada virulência.
Frei Caneca é uma bela lição de vida, um referencial de bravura e de altivez.
A figura pluridimensional de Caneca, o profeta político do clero da época, seus companheiros de ideal, sua mensagem, sua vida e seu sacrifício cruento, depois da hesitação dos primeiros algozes, tudo transpira independência político-econômica e liberdade. É a bandeira de vanguarda que empunhou o mártir de Cinco Pontas.
Frei Caneca, além de gramático e filólogo, era filósofo e geômetra, professor, inclusive de oratória, enfim, um homem de vários saberes.
Fundou o jornal doutrinário Thypis Pernambucano, veículo de divulgação de suas ideias liberais. Fazia parte de sua equipe o tipógrafo Antonino José de Miranda Falcão, que, num futuro breve, fundou o Diario de Pernambuco, em 1825.
O Suplício de Frei Caneca, de Cláudio Aguiar, é um Oratório dramático da vida e glória de Caneca, cuja encenação, quando ocupei, no ano passado, a Secretaria de Turismo e Desenvolvimento Cultural de Goiana, ao levar essa encenação, sob a direção de José Francisco, à Igreja do Carmo, a assistência foi à êxtase, tamanho o entusiasmo.
O poeta e acadêmico Ângelo Monteiro, sobre o Oratório de Aguiar, externou:
"O amor à liberdade do povo brasileiro, pela qual padeceu a morte por fuzilamento, a sistemática recusa de homens do povo em puxar a corda que o enforcaria em praça pública e seus escritos, são alguns exemplos que denotam a fibra inquebrantável deste "buliçoso frade", segundo a expressão de Oliveira Lima."
O Governo do Estado, por igual, levou essa apresentação a uma de suas escolas, obtendo o mesmo êxito, num indicativo claro de que as novas gerações anseiam por arte e cultura, pela história dos seus valores bravios.
No Auto do frade, João Cabral de Melo Neto narra o momento em que frei Caneca, ou frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, figura proeminente da Revolução Constitucionalista de Pernambuco, de 1824, é levado à execução.
"Que ninguém se aproxime dele.
Ele é um réu condenado à morte.
Foi contra Sua Majestade,
contra a ordem, tudo que é nobre."
O mártir exaltado no poema de Cabral, que, assim, escreveu a elegia do heroísmo.
O poeta e desembargador goianense, Josué Sena, no seu lindo poema Heróis não Morrem, assim exorta e exalta a insigne figura do nosso mártir:
"Confrades, direi sobre heróis que frei Caneca
Ainda está vivo, e reza, em Goiana, no Carmo,
Quem o esqueceu contra o patriotismo peca.
Ele é inspiração para os versos que armo."
O Recife das revoluções libertárias. Onde, na imagem poética de Tobias Barreto, "uivam as revoluções." Esse "uivo" é escutado pelas ruas. Nas madrugadas recifenses, quando vemos passar as sombras dos "heróis antigos", de que fala Joaquim Cardozo.
Na Casa da Cultura, quando presidi a Fundarpe, pude decidir sobre a aposição de dois belos painéis de Cícero Dias, um alusivo à 1817 e o outro, com relação à 1824.
E mais o lindo poema épico do poeta pesqueirense Audálio Alves de quem fui grande amigo, intitulado Frei Caneca - Romance e Canção, que tem, no seu primeiro verso, o seguinte:
À praça das Cinco Pontas
nasce o dia cinco vezes:
antecipa-se a vitória
de sombra, sonho e reveses.
Pesar do padre e da força
e do sol que o ameaça, que,
enquanto dorme o menino,
dorme o contorno da Praça,
'pesar da escolta e do sino,
e da corda que o embaraça,
- a praça das Cinco Pontas
Frei Joaquim do Amor Divino.
Frei Caneca viverá enquanto vivermos e enquanto formos dignos do seu passado histórico.
Ele mesmo, em verso, disse:
"O patriota não morre
Vive além da eternidade
sua glória, seu renome
são troféus da humanidade."
Frei Caneca está vivo, apesar de morto há pouco mais de 200 anos!
Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.